Medicina no Antigo Egito

Mestre em História Comparada (UFRJ, 2020)
Bacharel em História (UFRJ, 2018)

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O enfrentamento às doenças no Egito Antigo era dotado de conotação religiosa, como uma mistura entre as dimensões empírica e mágica. Neste sentido, pode-se afirmar que o sistema teórico da medicina egípcia era religioso e as práticas médicas eram realizadas quase que exclusivamente por sacerdotes. Neste cenário, doenças eram associadas à fortuna, e a doença e vistas como punição dos deuses ou relacionadas a questões de espíritos.

A prática médica da civilização egípcia visava a manutenção da boa saúde dos indivíduos. Para isso, utilizavam-se da religiosidade e de crenças mágicas para curarem enfermidades. Os egípcios faziam uso objetos que serviam como amuletos de proteção contra as doenças da carne, além de rituais envolvendo tambores, músicas, entre outros tipos de recursos para cura. Dentre as práticas remanescentes podemos citar o Zãr, que é uma expressão cultural que remonta tempos muito antigos e envolve a cura das doenças a partir dos espíritos, alcançados através da música.

Pode-se dizer que o que conhecemos de medicina egípcia deveu-se à descoberta dos papiros. Nestes documentos de inegável valor histórico e científico, havia a descrição de doenças, diagnósticos, causas e tratamentos a serem realizados. Os escribas compilaram informações médicas, utilizando-se da padronização de termos e prescrição de tratamentos; estes registros foram feitos para serem consultados posteriormente e auxiliarem na formação de futuros profissionais. Por meio da tradução destes papiros podemos ter acesso ao conteúdo médico desenvolvido naquele período.

O sacerdote Imhotep foi figura de importância na história egípcia, no que se refere às práticas médicas. Tendo sido responsável pela construção da primeira pirâmide do Egito e da definição de várias doenças, sua atuação foi alvo de grande consideração, a ponto de séculos após sua morte ele ter sido considerado “deus tutelar da medicina”.

Os egípcios acreditavam que, após a morte, a alma e o corpo poderiam se reencontrar após um julgamento justo, feito pelos deuses. Neste julgamento espiritual, o indivíduo teria seu coração, órgão considerado sede da alma humana, pesado em uma balança, comparado com o peso de uma pluma. Desde que tivesse vivido uma vida justa, o indivíduo seria encaminhado por Hórus, o deus da morte e do renascimento até seu corpo. A partir disso haveria novamente a união entre a pessoa e seu corpo, e o desfrute de uma “vida póstuma”.

O coração era considerado pelos egípcios um órgão que carregava tanto sentimentos quanto virtudes humanas; por isso prezavam o cuidado físico e espiritual deste órgão. Sabe-se que a mumificação foi uma prática importante para a cultura e religiosidade egípcia, além de ter sido altamente importante para a medicina egípcia. No ato da mumificação, a pessoa tinha os seus órgãos retirados, com exceção do coração e dos rins, e o seu corpo embalsamado. Esta prática proporcionou grandes avanços nos conhecimentos sobre cirurgia e anatomia, por meio da observação dos órgãos e associação deles às doenças que a pessoa a ser mumificada teria contraído. A mumificação de faraós e membros da elite era mais complexa que a realizada em outros integrantes da sociedade.

Segundo o historiador Eurípedes Simões de Paula (1910-1977), apesar da mumificação, a "medicina teórica não parece ter realizado sérios progressos”. O pesquisador afirma que o temor religioso impedia os médicos egípcios de realizarem dissecações, e, aqueles que resistiam e praticavam a medicina neste sentido, eram mal vistos e execrados. Segundo ele:

Os embalsamadores encarregados de praticar as incisões regulamentares eram objeto de geral execração. Quando vinham desempenhar o seu triste mister eram perseguidos a pedradas e muitas vezes tinham que fugir o mais rapidamente possível para escapar à sanha dos seus perseguidores. (PAULA, p21, 1962).

Algumas práticas médicas do Egito Antigo permanecem em algumas sociedades até os dias atuais: o acesso ao cuidado médico era controlado pelo governo, tendo sido voltada fundamentalmente para o faraó e alta sociedade; a noção de que banhos frequentes e higienização das mãos era fundamental para evitar contaminações e infecções também é um exemplo de continuidade em relação a medicina antiga no Egito.

Referências:

BADARÓ, Wilson Oliveira. A cura em Kemet entre 1700 e 1500 a. C.: anotações, caracterização e conteúdo do papiro de Edwin Smith. História.Com:Revista Eletrônica Discente, Cachoeira, v. 5, n. 9, p. 89-107, 31 dez. 2018.

CASTRO, Fabiano dos Santos; LANDEIRA-FERNANDEZ, J.; Alma, mente e cérebro na pré-história e nas primeiras civilizações humanas. Psicologia: Reflexão e Crítica, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 141-152, abr. 2010.FapUNIFESP(SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0102-79722010000100017.

EL GUINDY, Howaida; SCHMAIS, Claire. The Zar: An ancient dance of healing. American Journal of Dance Therapy, v. 16, n. 2, p. 107-120, 1994.

FIORINI, Lucas Rospendowski; MANSO, Maria Elisa Gonzalez. As Origens da Medicina Ocidental: Mesopotâmia e Egito Antigo. Brazilian Journal Of Health Review, Curitiba, v. 4, n. 4, p. 16609-16615, jul./ago. 2021. Bimestral. Disponível em: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/view/33997.

PAULA, E. S. DE. As origens da medicina: a medicina no Antigo Egito. Revista de História, v. 25, n. 51, p. 13–48, 1962.

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