Figuras de pensamento

Mestre em Linguística, Letras e Artes (UERJ, 2014)
Graduada em Letras - Literatura e Língua Portuguesa (UFBA, 2007)

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Tendo em vista que a linguagem é entendida pelos gramáticos como qualquer sistema de signos simbólicos empregados na intercomunicação para expressar ideias e sentimentos, isto é, conteúdos da consciência, então sabe-se que a comunicação tem origem no pensamento. Dessa forma, todo e qualquer ato comunicativo estabelecido entre dois, ou mais interlocutores, tem seu princípio no pensamento, constituindo-se como uma elaboração da consciência.

Nesse sentido, encontramos na linguagem à disposição dos falantes uma série de recursos que os auxiliam na comunicação e na construção textual. As figuras de linguagem constituem-se como um desses recursos. Elas são utilizadas com a finalidade de: (1) dar ênfase aos sentimentos e às emoções; (2) subverter os sentidos originais das palavras; (3) alterar as relações sintáticas; (4) gerar efeitos sonoros ou, ainda, (5) criar novos significados e sentidos para determinadas expressões. Assim, as figuras de pensamento caracterizam-se como uma das classificações das figuras de linguagem e são utilizadas para exprimir ideias ampliando e alterando os sentidos dos termos e das relações entre as palavras.

As figuras de pensamento atuam como um recurso da linguagem que dá forma às produções da consciência, quando, por exemplo, se realiza uma alteração de sentido do campo semântico. Por isso, em alguns estudos encontra-se para figuras de pensamento a nomenclatura de figuras semânticas. As alterações no campo semântico modificam a interpretação e os efeitos de sentido do texto. Elas podem ser verificadas, por exemplo, ao expressar uma ideia irônica acerca de determinado assunto. Conforme pode ser observado na poesia satírica do poeta Gregório de Matos. Gregório foi um importante representante da literatura Barroca que se valia desse recurso em suas poesias.

Descreve o eu era naquele tempo a cidade da Bahia

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro
Que a vida do vizinho e da vizinha,
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazendo pelos pés aos homens nobres,
Postas nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam, muito pobres:
Eis aqui a cidade da Bahia.

(MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. p. 44 – 45)

Ao descrever a sociedade da Bahia de seu tempo, Gregório o faz em tom irônico, o que é constituído desde a primeira estrofe. A ironia surge ao fazer referência aos “conselheiros” como “grandes”, porém no terceiro verso o poeta afirma que esses “grandes conselheiros” “não sabem governar nem suas próprias cozinhas”, o que confirma a ironia na expressão “grande conselheiro”. A ironia ocorre através do teor crítico que o jogo semântico confere ao texto. O adjetivo “grande” é usado para significar exatamente o contrário do que significa.

Logo, entende-se como figura de pensamento as expressões estilísticas que revelam transfigurações no aspecto semântico dos termos. São figuras de pensamento: Antítese, ironia, paradoxo, apóstrofe, eufemismo, gradação, hipérbole, e personificação, também conhecida por prosopopeia.

Todas as figuras de pensamento citadas anteriormente são definidas como recursos estilísticos com a função de tornar a comunicação mais expressiva, contundente ou provocar um determinado impacto no interlocutor. Os efeitos gerados com o uso de uma dessas figuras possuem origem na ideia que fundamenta a escolha das palavras e não somente nos significados que cada palavra imprime. Dessa maneira, fala-se em significação simbólica na construção frasal. Por esta razão, as figuras de pensamento são também descritas como uma alteração intencional do falante que se dá não apenas na realização da fala, mas anterior a ela, no processo de elaboração mental da comunicação.

Sobre os usos das figuras de pensamento

A textualidade de cada poesia, o estilo individual de cada texto jornalístico, publicitário, epistolar, dentre outras modalidades, implicará tantas interpretações, quantas formas de expressão existam. Ou seja, as especificidades de cada poema, prosa, narrativa, propagando, qualquer enunciado linguístico, tornam toda tentativa de definição de como elaborar uma figura indevida. As figuras de pensamento podem ser classificadas e conceituadas, porém a elaboração de cada uma delas ocorre de infinitas maneiras, e de acordo com a produção de cada texto.

Na elaboração das figuras de pensamento pode ocorrer uma unidade entre o significado das palavras e o que elas representam na construção textual. Como pode ser visto na antítese, por exemplo. As palavras não ganham novos sentidos, elas são usadas em seus significados originais, o jogo estilístico se dá no sentido produzido pela relação de oposição que se cria entre elas. Vejamos o conceito de cada figura de pensamento:

Ironia

A ironia é um recurso que gera efeitos de sentido contrários às palavras e/ou expressões daqueles que se utiliza. Muitas vezes utiliza-se um termo com o objetivo de denotar justamente o contrário do que ele significa. O ato de interpretação da ironia sugere aos interlocutores o conhecimento do contexto em que o enunciado se insere, para entender as intenções do ato de enunciação. Quando, por exemplo, uma pessoa insatisfeita com seu trabalho diz: “Adoro meu trabalho, todos os dias as mesmas atividades, nada de novo”. Percebe-se um tom irônico uma vez que o falante destaca a repetição de suas atividades laborais, contudo conhecer o contexto de fala dessa pessoa faz parte do processo de interpretar o que foi dito. Ela afirma gostar do trabalho, mas na verdade tem a intenção de conotar o exato contrário do que afirmou, dessa forma criou o efeito de ironia no texto.

Antítese

Consiste em criar um jogo de oposição entre duas ideias, de maneira que uma não torne a outra impossível ou absurda em um contexto real. Note as palavras que denotam sentimentos, sensações e estados opostos nos versos a seguir, construindo um jogo com antíteses.

Do amor

O amor que estava mais morto do que vivo,
De repente do choro fez o riso,
Da tristeza a alegria,
Do efêmero fez a eternidade.
Num átimo de tempo
Um segundo fugidio
Um olhar e nada mais.

(Trecho de um poema não publicado de Leticia Gomes Montenegro.)

Paradoxo

O paradoxo é considerado por muitos estudiosos como uma antítese extremada. Caracteriza-se como a apresentação de duas ideias excludentes. O que diferencia o paradoxo da antítese é que no paradoxo as realidades opostas constituem uma situação fora da lógica do real. Veja os exemplos:

O silêncio do Barulho. / Entrar na água e não se molhar. / O calor do frio.

Alguns paradoxos já foram introduzidos ao cotidiano como, por exemplo, a expressão “Sonhar acordado”.

A letra da música “Monte Castelo”, lançada em 1989 no disco “As quatro estações”, do grupo Legião Urbana, é um bom exemplo de paradoxo:

Monte Castelo

Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.
É só o amor que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal.
Não sente inveja ou se envaidece.

O amor é fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói e não se sente.
É um contentamento descontente.
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer.
É solitário andar por entre agente.
É um não contentar-se de contente.
É cuidar que se ganha em se perder.
É um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor.

É um ter a quem nos mata a lealdade.
Tão contrário a si é o mesmo amor.
Estou acordado e todos os homens dormem.
Agora vejo em parte. Mas então veremos face a face.

Apóstrofe

É uma figura facilmente identificada por se tratar de um chamamento, uma interpelação, ou um apelo que se dirige, em geral, a um ser ou indivíduo que não estão presentes no contexto de fala ou produção textual. Um recurso que pode ser utilizado com maior ou menor ênfase, porém em qualquer caso ele se apresenta através do vocativo. Na música “Súplica Cearense” o eu lírico chama por Deus. Isso ocorre em muitos textos poéticos e letras de música.

Súplica Cearense

Oh! Deus,
Perdoe esse pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo para chuva cair, cair sem parar.

Oh! Deus,
Será que o senhor se zangou
E é só por isso que o sol se arretirou
Fazendo cair toda chuva que há

Oh! Senhor,
Pedi pro sol se esconder um pouquinho
Pedi pra chover
Mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta
Uma planta no chão.

Oh! Deus,
se eu não rezei direito
a culpa é do sujeito
desse pobre que nem sabe fazer a oração.

Eufemismo

Consiste em amenizar uma situação usando termos ou expressões mais agradáveis. Veja o exemplo:

O filho não agraciou sua mãe com a alegria de uma verdade. (Em lugar de afirmar que o filho mentiu).

Gradação

A gradação é uma enumeração, pois apresenta uma organização crescente em torno de um termo ou ideia. Ela constitui uma mudança na compreensão do texto ao destacar um determinado elemento dentro dele. Também é conhecida por clímax, uma vez que cria uma intensidade, fazendo com que elementos textuais sigam uma progressão intensificando um único termo que se torna mais relevante naquele contexto.

Observe a gradação com o uso de diversos termos até afirmar o que se deseja, alcançando o clímax no ultimo verso de cada estrofe, neste trecho da música “Vai levando” de Caetano Veloso e Chico Buarque de Holanda:

Vai levando
Mesmo com toda a fama
Com toda a Brahma
Com toda a cama
Com toda a lama
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando essa chama

Mesmo com todo o emblema
Todo o problema
Todo o sistema
Toda Ipanema
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando
A gente vai levando essa gema

Hipérbole

A hipérbole é a figura de linguagem que conota o exagero, ampliando o sentido das ideias que se pretende expressar. Assim como o eufemismo é uma figura bastante utilizada no cotidiano. Comumente se diz frases tais como: “Estou morrendo de fome.” “Chorei rios de lágrimas”. “Vou matar ele.”

Personificação

A personificação também é conhecida por prosopopeia e significa a atribuição de características humanas a seres inanimados.

um exemplo no depoimento de um homem que presenciou um acidente de proporções catastróficas, conferindo à natureza características humanas:

“Após o acidente que a tudo encobriu com lama, a natureza se calou, fez um profundo silêncio de morte. A natureza se entristeceu diante da própria humanidade.”

Litote

Alguns estudos apontam a litote como uma figura de pensamento. Ela afirma uma ideia através da negação do seu contrário. É um recurso linguístico também utilizado para atenuar uma ideia que poderia ser ofensiva. Por exemplo:

O homem não é ignorante. (ou seja, ele é inteligente)

O homem não deu uma resposta das mais inteligentes. (ou seja, ameniza o fato de ignorar um determinado conhecimento)

Bibliografia:

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. – 37. ed. rev., ampl. e atual. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática do português brasileiro. – 1. Ed., 4ª reimpressão – São Paulo: Contexto, 2016

CITELLI, Adilson. Linguagem e Persuasão. 15. Ed., 4° reimpressão – São Paulo: Ática, 2002.

CUNHA, Celso e CINTRA, Luís F. Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. – 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

GARCIA, Maria Cecília. Minimanual compacto de gramática da língua portuguesa: teoria e prática – 1. ed. – São Paulo: Rideel, 2000.

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