Direito Bancário - Cartão de Crédito e Similares

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O sistema bancário surgiu nos primórdios, quando àqueles que possuíam recursos disponíveis, mesmo que ainda não fosse dinheiro, na acepção da palavra, financiava investimentos ou alguma operação particular ou coletiva. Aqui não se pretende falar exatamente do direito bancário historicamente, mas dedicar algumas linhas a uma derivação importante surgida nos séculos XIX/XX: o cartão de crédito, que trouxe inegável mudança nos procedimentos bancários e creditícios, inclusive com a possibilidade de efetivar operações financeiras em ambientes externos às instalações físicas das instituições bancárias.

Existe divergência quanto ao efetivo surgimento da figura do cartão de crédito no mercado. Uns até compreendem que teria surgido ainda na época das diligências americanas, quando, para segurança das movimentações, teria se instituído um documento substituto do dinheiro em espécie, semelhante aos cheques de viagem. Outros, ao que parece mais próximo da concepção atual e popularizada do cartão de crédito, entendem que teria surgido no século XX, notadamente na década de 50. Nesta versão, conta-se que, um grupo de amigos que freqüentava determinado restaurante com regularidade, começou a apresentar cartão de visita com a identificação individual, quando eventualmente não tinha recurso ou outra forma de pagamento. Tal procedimento passou a ser aceito pelo restaurante porque clientes de grande confiança, e também porque o compromisso de pagamento era cumprido religiosamente. Gradativamente então foram sendo aceitos novos clientes neste clube seleto, o que resultou na implementação de um cartão credencial para àqueles selecionados à condição de associado. Neste momento teria surgido o cartão de crédito, que posteriormente, foi recebendo novos dispositivos, até assumir a forma que hoje possui no mercado de consumo.

Na configuração atual, o objeto cartão de crédito, pode ser um produto isolado, entretanto, a grande maioria destas credenciais, porque vinculadas a instituições financeiras, possuem outras utilidades, tais como a função de cartão de débito e de movimentação bancária dos mais variados produtos financeiros.

O fato é que o cartão de crédito e seus subprodutos, num mesmo objeto plástico, para não falarmos ainda nas operações virtuais, é um instrumento de crédito e de operacionalização bancária, impossível de se prescindir no momento atual. No entanto, há menos de 30 anos era, no Brasil, ainda um objeto de pouco uso popular. Existiam os cartões de loja, que ainda sobrevivem com novas configurações, e a grande maioria das operações bancárias e financeiras eram efetuadas pessoalmente, pelo grande público, que tinha a necessidade de comparecer pessoalmente as agências bancárias ou de crédito. Também não havia a facilidade de transmissão de dados que hoje possuímos, bem como não havia estrutura e avanço tecnológico para oferecer os serviços que hoje são, tão corriqueiramente, incorporados ao cartão de crédito ou cartão múltiplo bancário.

Também no final do século XX, precisamente em 1990, no Brasil é promulgada uma nova Lei que introduziu no cenário brasileiro um Código de Defesa do Consumidor (Codecon), que tanto interveio no mercado de consumo de produtos como também no mercado de serviços, dentre eles os serviços bancários. Nesse quadro, o conjunto de situações incrementou as demandas no Judiciário, bem como trouxe maiores balizadores nas relações de consumo entre os diversos agentes sociais envolvidos, também nos serviços bancários. Hoje, o cartão múltiplo bancário, oferece, na sua grande maioria, dentro de um mesmo objeto, os serviços de crédito inerentes aos financiamentos e rotatividade inerentes ao cartão de crédito, e também, via de regra, a função de débito em conta corrente e/ou poupança. Não raro também possuem a funcionalidade de acessar empréstimos bancários, pagamentos, depósitos, investimentos, emissão de cheques mais uma dezena de serviços bancários, que diariamente são incorporados para oferecimento ao público.

Neste contexto, existe uma série de cuidados, que tanto na esfera do consumidor como para o fornecedor (Bancos e Instituições Financeiras), são fundamentais na utilização e na correta adequação dos serviços bancários ao instrumento. O que tem sido muito comum na área judicial é a reclamação de consumidores com o recebimento de cartão bancário sem a devida solicitação, o que é vedado pelo Codecon. Também se observa que tem se propagado a ação de fraudadores que fazem operações ilegais nas contas dos consumidores, gerando variadas contendas entre as partes. Tudo isso, num cenário cada vez maior e intenso, obriga que os agentes sociais atuem para minimizar tais ocorrências de litígios. Assim, as empresas de cartões de crédito, as quais foram equiparadas as Instituições Financeiras pelo Superior Tribunal de Justiça, devem aplicar esforços em investimentos de segurança nas operações, tanto na área preventiva quanto na repressiva. Preventivamente devem se acercar de suporte jurídico e tecnológico para evitar incorrer em procedimentos legalmente proibidos, tais como a remessa de cartões sem pedido formulado, cobranças indevidas, contratações de serviços agregados sem o preciso “de acordo” do consumidor. Também neste sentido, é importante que os fornecedores bancários se preocupem com a vigilância, gravações telefônicas e virtuais de operações, para dirimir eventuais dúvidas. Se por um lado, as instituições financeiras tiveram redução de pessoal no atendimento ao público, necessitaram fazer alto e constante investimento na área tecnológica, objetivando minimizar perdas por eventuais falta de segurança nas operações.

No contraponto, o produto cartão de crédito, trouxe a necessidade ao consumidor, de permanecer mais atento quando da utilização do instrumento cartão, redobrando os cuidados em cada novo aplicativo disponibilizado para uso. Exatamente porque gerando a possibilidade de uso mais ampliado também implica na maior vulnerabilidade quando usado indevidamente ou sem precauções mínimas.

Ressalte-se que, em decorrência, grande mercado bancário se formou, muito em função da capilarização dos serviços, agora tratados e operados diretamente pelo próprio consumidor. Segundo a ABECS – Associação Brasileira de empresas de cartões de crédito, o número de cartões de crédito no Brasil alcançou 514 milhões em 2008, com a movimentação financeira anual superior à cifra de R$388 bilhões. Deste total, 124 milhões se referem aos cartões de crédito, com movimentação de R$223 bilhões no mesmo período. Do mesmo modo, talvez em razão do grande volume de transações, as empresas mais demandadas no Judiciário, são as de telefonia e de serviços bancários. Relativamente proporcional, mas também preocupante pelos cuidados que, às vezes, não são implementados pelos agentes sociais envolvidos.

A questão dos juros abusivos é outro item que ainda gera grande atrito em demandas judiciais porque, segundo entendimento dos consumidores, as taxas seriam desproporcionais a inflação e inclusive a taxa básica de juros informada pelo Banco Central do Brasil periodicamente. Por outro lado, as empresas de cartões de crédito, a partir da equiparação as Instituições Financeiras, obtida pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, e também pela exclusão do limitador de juros de 12% a.a. que existia no artigo 192 da Constituição Federal, compreendem estar autorizadas a aplicação de taxas de juros no patamar que lhes for conveniente, sem limitadores, exceto o próprio mercado.

Enfim, o assunto é bastante vasto e complexo, porque o cartão bancário, que assumiu a conformação de cartão múltiplo, a cada momento, e de acordo com o perfil da instituição financeira a qual esteja vinculado, pode servir de instrumento de uma “multiplicidade de transações novas”, que resulta em novas análises e conseqüências. De toda sorte, é inquestionável a facilidade de acesso aos mais variados produtos bancários, proporcionado pelo instrumento cartão bancário, que inicialmente surgiu como cartão de crédito e débito, separadamente, transformando-se em opções conjugadas e múltiplas. Se na implementação e no uso surgem controvérsias, cabe aos interessados buscarem a solução amigável, e no último caso, requererem a atuação do Judiciário, tanto para adequar eventuais litígios isoladamente, como para nortear, nos casos de repercussão geral, decisões mais coletivas.

Vandeler Ferreira
OAB/RJ 113.274

Fontes
ABECS – Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito http://www.abecs.org.br
Brasil. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor
Banco Central do Brasil – Página Eletrônica – http://www.bcb.gov.br
Brasil. Superior Tribunal de Justiça – Jurisprudência.
MASTERCARD DO BRASIL - http://www.mastercard.com.br
VISA DO BRASIL - http://www.visa.com.br

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