Meus oito Anos

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O poema “Meus Oito Anos” faz parte do Livro I da coletânea “As Primaveras”, publicada por Casimiro de Abreu em 1859, que gira em torno da saudade da infância e da terra natal, a maior parte delas escritas durante sua estada em Lisboa.

Neste poema, a infância é idealizada como um tempo e espaço míticos, sendo reconhecido pela riqueza de detalhes visuais e movimento. Foi por essa característica que o poema mereceu, em 1956, um dos mais belos curtas-metragens do pioneiro Humberto Mauro.

Sua estrutura consiste em redondilhas maiores, de sete sílabas, sendo que a primeira e a última são idênticas quanto à forma e conteúdo. As rimas são misturadas, ou seja, não possuem esquema fixo, como propunha a norma clássica. Quanto à posição na estrofe, são assonantes: vida/querida, fagueiras/bananeiras, marcando assim toda a musicalidade no poema.

O poema inicia-se com uma epígrafe, cuja função é homenagear Victor Hugo, poeta romântico francês e situar a temática da poesia (Oh! souvenirs! Printemps! Aurores!). Impregnada de subjetivismo, o sentimento presente é a saudade da infância, que decorrerá como tema principal:

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
- Que os anos não trazem mais!

O poeta utiliza essa representatividade da infância como forma de escapismo, fugindo assim do momento presente:

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Na segunda oitava, percebe-se que o eu – lírico expõe sua saudade nostálgica da infância pura. Neste canto, subentende-se que o poeta adulto está exposto a uma vida dolorosa, em conseqüência de ele não ter mais aquela inocência infantil:

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;

Os travessões, quando usados, dão uma pausa na musicalidade como que a mostrar uma verdade. No entanto, o ritmo poético é retomado nas redondilhas seguintes:

O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria
Naquele ingênuo folgar!

Na terceira oitava aparece uma síncope, que dá um tom coloquial ao verso (“O céu bordado d’estrelas”). Uma característica forte nestes versos é o culto à natureza, ambiente marcante em toda a infância do poeta:

O céu bordado d’estrelas,
A terra de amores cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Na quarta oitava, o poeta faz alusão à família, valorizando principalmente a figura feminina (mãe e irmã), reforçando o apoio que tinha de sua família, em detrimento da tristeza e solidão de agora:

Em vez das mágoas de agora
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

O sentimento de liberdade, felicidade e a preferência pelas montanhas apresentam-se naquele

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
- Pés descalços, braços nus –

e pelo contexto a que remete, percebe-se que, quando criança, o poeta sentia-se feliz em encarar desafios, como correr

À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Essa afinidade entre o poeta menino e a natureza mostra elementos referenciais de uma poesia que se fixou na memória popular pela imagem do “menino descalço que, de camisa aberta, corre atrás das ligeiras borboletas azuis”.

Para o poeta, a natureza, enquanto emanação da grandeza divina, passa a ser venerada como expressão do Criador. Ainda assim, esse culto pode se resumir à intimidade de uma oração:

Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Quando adulto, porém, o poeta já não tem mais essa vida feliz:

Que doce a vida não era
Em vez das mágoas de agora.

A seleção de um vocabulário simples e adjetivado se mistura a um cenário raro, em virtude da aproximação do progresso. Esse cenário natural, com árvores frutíferas e pássaros cantando, compõe o quadro das pequenas cidades do interior. O poema apresenta um toque nostálgico, em certos versos, mas o que realmente quer enfatizar é mesmo a “aurora da vida”, permeada de amor, sonhos, flores, bananeiras, laranjais. Ele tem noção de que essa realidade jamais voltará, mas é cantando essa “infância querida” que ele procura esquecer as “mágoas de agora”.

Fontes
CEGALLA, Domingos Paschoal. Língua e arte literária: Versificação. In: Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. 26 ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1985, p. 541-9.

LAURITO, Ilka Brunilde. Literatura Comentada: Casimiro de Abreu. São Paulo, Abril Educação, 1982.

Arquivado em: Livros
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