A vida dos ex-escravos após a Lei Áurea

Por Ana Luíza Mello Santiago de Andrade

Graduada em História (Udesc, 2010)
Mestre em História (Udesc, 2013)
Doutora em História (USP, 2018)

Categorias: Brasil Imperial, Brasil Republicano
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A assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888 e a proclamação da república em 15 de novembro de 1889 podem dar a impressão de que o progresso chegava ao Brasil trazendo a sonhada. No entanto, embora livre da escravidão, este continuou a ser um país estruturado pela desigualdade racial e social e, assim sendo, a vida dos sujeitos que foram escravizados até o século XIX não foi fácil após a libertação.

Isso porque embora tenha se libertado os escravos o texto da lei era curto e simples: “é declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil. Revogam-se as disposições em contrário”. E depois de extinta, para onde iriam estes sujeitos? Como garantir cidadania? Essas questões não estavam em pauta à época. É certo que a Lei Áurea gerou descontentamento por parte dos proprietários, que não receberam a indenização que desejavam. A monarquia distribuiu a eles títulos de baronato n intenção de acalmar os ânimos exaltados daqueles que se sentiram prejudicados com o desmonte do sistema escravista. Mas, ao mesmo tempo, essa mesma monarquia não apresentou propostas concretas de como suprir as necessidades desses ex-escravos.

Por parte destes o medo da reescravização era constante: talvez aí estava o medo que sentiam do novo regime que se apresentava. O medo da reescravização era também o medo da república e por isso muitos dos ex-escravos eram defensores da monarquia, que havia promovido a liberdade a partir da Lei Áurea.

O fim do século XIX foi marcado pelas transformações nas relações de trabalho. O desmonte do sistema escravista veio acompanhado do incentivo à imigração europeia e ao fomento ao trabalho livre. Com o início do processo de industrialização e com as transformações urbanas que ocorriam nas principais cidades, o espaço urbano passou a ser mais sedutor e atrativo, fazendo com que muitas pessoas migrassem do interior para as cidades. O processo de modernização fora excludente. Para construir um Rio de Janeiro moderno e elegante, à moda francesa como ditava o tom da época, o governo passou a demolir as moradias populares e afastar a população pobre (e negra, em sua maioria) do centro, afastando cada vez mais esses sujeitos.

A república chegou com sonhos de liberdade e cidadania, mas não os concretizou. Se antes o ser escravo ou ser livre era o que organizava esta sociedade, na república outras formas de hierarquização passaram a ser desenvolvidas. A ciência passou a construir o medo da mistura e da miscigenação alegando que tais práticas geravam desequilíbrio na sociedade. Assim, o darwinismo social atrelado à política do higienismo foram marcas da vida pós-abolição, contribuindo para a hierarquização da sociedade a partir da noção de raça. Acreditava-se que o imigrante europeu seria o responsável pelo embranquecimento da população brasileira e, portanto, pelo tão sonhado progresso. Em contrapartida a população negra passou a ser diretamente associada ao atraso e representando o perigo à modernização. O higienismo atrelado à eugenia geraram a exclusão social pautada na raça.

A Lei Áurea significou o fim da escravidão, mas não previu a colocação e adequação destes ex-escravos nas novas relações de trabalho, nem na sociedade que se transformava. Sem políticas educacionais essa população (existiam ainda aproximadamente 700 mil escravos quando a lei foi assinada) não conseguia competir pelo mercado de trabalho. Soma-se a isso as teorias raciais que se espalhavam gerando medo e insegurança e tem-se uma sociedade absolutamente desigual. O período após a abolição não priorizou a cidadania, mas sim a ciência e a biologia, que à época eram ferramentas potentes na consolidação do racismo. Além disso, essa república que se queria moderna buscava a todo custo afastar qualquer imagem da escravidão, que representava o atraso de uma nação e para identificar o Brasil ao ideal de modernidade a imagem que mais representava o trabalhador desejado era a do imigrante europeu.

Embora livres, eles não receberam ressarcimento, indenização, terras e assistência. Em troca passaram a viver em uma república baseada no racismo e na desigualdade.

Referências:

SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

SCHWARCZ, Lilia M. A abertura para o mundo: 1889 – 1930, volume 3. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. (História do Brasil Nação: 1808 – 2010; 3)

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