Dívida histórica

Por Camila Betoni

Mestrado em Sociologia Política (UFSC, 2014)
Graduação em Ciências Sociais (UFSC, 2011)

Categorias: Sociologia
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O conceito de dívida histórica designa a responsabilidade que gerações atuais, governos e Estados Nacionais teriam em relação a injustiças cometidas contra gerações passadas, sobretudo sobre grupos sociais minoritários. Dessa forma, o debate em torno da existência ou não de uma dívida histórica é também o debate sobre quais seriam os deveres de reparação das gerações contemporâneas frente às gerações anteriores. Ainda que o objetivo seja defender a necessidade de aplicação de políticas públicas afirmativas para reparação dessas injustiças históricas, existem duas linhas básicas de argumentação que se distinguem: uma primeira que enfatiza a necessidade de reparação histórica em si, enquanto uma segunda que privilegia a medida reparativa como uma forma de garantir a igualdade de oportunidades na sociedade atual.

A linha que lança mais luz sobre o caráter histórico das injustiças, defende que nós, que vivemos atualmente, temos uma dívida moral com aqueles grupos sociais que foram injustiçados. Nesse caso, os membros das maiorias que vivem hoje carregariam uma responsabilidade pelos atos perpetrados por seus antepassados. Essa responsabilidade poderia ser matizada por meio de ações afirmativas, isto é, políticas públicas adotadas pelo Estado e que visariam reparar essa injustiça de forma ativa, ou seja, facilitando o acesso dos indivíduos membros dessas minorias históricas às oportunidades sociais disponíveis aos demais grupos da sociedade.

Esse argumento com apelo mais histórico chega no ponto de onde parte a segunda linha: mais do que enfatizar as raízes da situação de desigualdade na qual nos encontramos atualmente, o caso é garantir, para todas e todos que agora nasçam em nossa sociedade, igualdade de oportunidades em sentido amplo e irrestrito. Assim, mais do argumentar a partir da ideia de responsabilização das gerações atuais em relação ao passado, o argumento pretende focar nas condições básicas de vida para todo e qualquer pessoa em nossa sociedade. É importante frisar que ambos pontos defendem a necessidade de uma política ativa no combate às desigualdades sociais. Eles divergem, no entanto, na maneira de justificar a implantação dessas políticas de reparação.

A história do Brasil é transpassada por diversas formas de discriminação de minorias, começando com o extermínio sistemático dos povos indígenas originários e passando pelo imoral caso da escravidão negra, findada a pouco mais de 130 anos. Assim, se hoje esses grupos continuam nas posições mais desprivilegiadas de nosso quadro social, as razões devem ser buscadas no longo processo de dominação e de tratamento desigual por parte do Estado e dos governos destinados a esses grupos.

Como dito no início, se existe um debate quanto a questão das responsabilidades entre as várias gerações que compõem os cidadãos de um Estado, o que não se coloca em questão é o fato de que todos nascem iguais em direito, ainda que as condições efetivas de vida sejam profundamente determinadas por sua classe, raça, gênero ou outros marcadores sociais. É esse o princípio básico de uma sociedade liberal: garantir que aquilo que é igualdade em direito, torne-se uma igualdade de oportunidades sociais onde ninguém seja discriminado pelos fatores contingentes de seu nascimento, ou seja, por aqueles condições sociais já mencionadas. Se temos uma dívida com nossas injustiças passadas, esse compromisso é melhor entendido como uma responsabilidade que assumimos por vivermos em sociedade e por sermos todos partes de um projeto que integra passado, presente e futuro de forma a possibilitar a cooperação e a igualdade entre seus cidadãos.

Referência:

De Vita, Álvaro. A justiça igualitária e seus críticos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

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