Pensamento Social Brasileiro

Por Camila Betoni

Mestrado em Sociologia Política (UFSC, 2014)
Graduação em Ciências Sociais (UFSC, 2011)

Categorias: Sociologia
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O Brasil não é para principiantes.” Costumamos ouvir essa frase quando se quer expressar que nosso país é complexo e que as coisas por aqui costumam se desenrolar de formas muito particulares. O que parece mero senso comum foi levado a sério pelos pensadores que se desafiaram a explicar a particularidade da sociedade brasileira em chave-própria, formando uma área interdisciplinar que hoje chamamos de pensamento social brasileiro. Pensamento porque articula as mais diversas áreas do conhecimento; social, porque preocupa-se em analisar os processos de formação de nossa sociabilidade em suas diferentes perspectivas, e brasileiro porque se propunha a pensar os temas a partir de nossa realidade, e não apenas importando teorias produzidas fora daqui para que fossem aplicadas aos nossos problemas e as nossas coisas.

Dentro dessas tentativas de interpretação do Brasil, alguns temas e autores tornaram-se clássicos. Ainda que toda classificação de um pensamento tão amplo e plural seja simplificadora, para fins didáticos pode-se esboçar algumas etapas desse desenvolvimento: em um primeiro momento, que começa no século XIX e vai até 1930, a perguntava girava em torno da identidade nacional e era explicada em termos de nossa composição racial; dos anos 30 até o início da ditadura militar, as obras continuavam em torno do “povo brasileiro”, mas agora entravam também em debate a formação do Estado e as dinâmicas capitalistas que aqui se estabeleciam, espelhando a vida política do país que passava por seu processo de modernização.

É nessa fase que se produziram os trabalhos clássicos do pensamento brasileiro, eternizados pelos nomes incontornáveis de intelectuais como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Celso Furtado, Antônio Cândido e outros. Apresentando teses em um caráter ensaístico que uniam diferentes pontos de vista teóricos para decifrar o enigma de nossa formação social, cultural e econômica, esses autores tomavam o paradigma da formação como questão central, tanto que várias das obras deste período o traziam já em seus títulos. Durante a ditadura militar, a perseguição e a censura fizeram do pensamento crítico um caso de cadeia, perda irreparável para a reflexão sobre um Brasil que, justamente nessa fase, se urbanizou rapidamente e viu aumentar suas desigualdades.

Por fim, a institucionalização da sociologia nas universidades lançou uma nova onda de reflexões que interpretou criticamente a produção dos clássicos, agora com as ferramentas analíticas de uma ciência social já treinada nos rigores do método e que chega até nossos dias, atualizando o repositório de explicações e lançando novas novas luzes sobre nossos sucessos e fracassos enquanto sociedade.

Tantas interpretações e teorias para um só país não são frutos de um exagero intelectual; são, antes, a disputa de perspectivas divergentes sobre os projetos possíveis para uma nação que ainda carrega em seus dilemas atuais rastros e permanências de traços de nossa história e de seus momentos de barbárie. Nosso racismo, nossa desigualdade, nossa violência e nosso sexismo não caem do pé, tampouco são culpa do sol que insiste em nos queimar: eles foram plantados aqui pelas mais diversas formas de dominação e só a lida com nosso passado e com nossas impasses é que pode fazer com que nessa terra, o Brasil do futuro finalmente dê.

Fontes:

BOTELHO, A.; SCHWARCZ, L. M. (Org.). Um enigma chamado Brasil: 29 intérpretes e um país. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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