Mata-maroto

Graduada em História (Udesc, 2010)
Mestre em História (Udesc, 2013)
Doutora em História (USP, 2018)

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Construir uma nação, torná-la livre e independente é um processo complexo que envolve diversos atores políticos. No caso brasileiro o processo ganhou contornos bastante específicos, visto que, diferente de outras experiências na América, a independência se consolidou com uma família real portuguesa e com o estabelecimento de uma monarquia. Em muitos outros casos os processos de independência se caracterizaram pela luta popular e pelo estabelecimento de repúblicas.

No contexto da independência e no período que se seguiu – o chamado Primeiro Reinado – as disputas políticas eram constantes e complexas, e não estavam localizadas somente na sede do império, o Rio de Janeiro. Em outras províncias as disputas ocorriam de forma intensa. É o caso da Bahia. Salvador e o recôncavo baiano passaram por inúmeras agitações e disputas políticas durante o reinado de D. Pedro I. Antes da independência já havia uma intensa disputa entre os que defendiam a separação de Portugal e os conservadores. Mas, depois da independência as lutas políticas e identitárias se intensificaram.

Se uma nação se forma deixando de ser colônia parece óbvio que os conflitos identitários entre colonizadores e colonizados se intensificariam. Foi o que aconteceu em diversas províncias no Brasil e, com maior potência, na Bahia. Maroto é um termo utilizado de forma pejorativa para identificar os portugueses. Entendia-se marotos como aqueles jovens portugueses não muito abastados. Maroto virava no contexto brasileiro um insulto racial. Era a expressão do antilusitanismo. Assim, ser reconhecido como maroto poderia gerar sérios problemas, chegando até a morte. Isso porque perseguições e linchamentos públicos contra portugueses passaram a ser muito comuns: as disputas políticas ganhavam outra conotação, chegando à violência física.

Esses atos violentos conhecidos como mata-marotos, característicos do contexto pós-independência são expressões máximas do antilusitanismo na Bahia, e marcam as lutas entre brasileiros e portugueses. A questão é que em meio a construção de uma nação há um forte apelo identitário. Se a nação que estava a ser construída à época era a nação brasileira, o investimento na construção do sentimento de pertencimento e nacionalismo tornava-se evidente, estabelecendo assim quem eram os nacionais, e quem eram os intrusos. Nesse caso, os intrusos eram os portugueses, que passaram a ser constantemente atacados e ameaçados de morte.

A Bahia deixou de ser uma capitania portuguesa para se tornar uma província Brasileira, ou seja, a troca de Portugal para Brasil como referência identitária e de pertencimento era evidente. Passou a ser fomentado entre os brasileiros um sentimento de ódio contra tudo aquilo que vinha do antigo colonizador. Também é preciso lembrar que os portugueses não aderiram à nacionalidade brasileira, nem a esse reconhecimento cultural e identitário, e continuaram a ter como referência de nação Portugal. A disputa que ficava no campo simbólico passou para o campo físico e a violência era constante, se fazendo notar, inclusive, no nome do movimento mata-marotos, que expressa o desejo de morte dos portugueses.

Esse movimento de reação aos portugueses e de violência física contra eles era praticado por brasileiros livres, muitas vezes pobres, libertos ou mesmo sujeitos escravizados, que expressavam seu antilusitanismo de forma violenta. Mas, é preciso destacar que o embate não era só cultural. Havia também uma questão prática na presença dos portugueses em terras baianas, e, possivelmente, essa seja a questão que mais mobilizou esse sentimento antilusitano.

Os portugueses que para cá vieram eram jovens e ocupavam boa parte dos postos de trabalhos no Estado. E os brasileiros, ávidos por vivenciarem a nova nação com aquilo que ela podia oferecer, desejavam também ocupar os cargos públicos. Essa disputa que era também prática gerou reação portuguesa: se, de um lado, o movimento encabeçado pelos brasileiros ficou conhecido como mata-marotos, do lado português, que fazia dos brasileiros suas vítimas, ficou conhecido como mata-cabra. Os brasileiros entendiam como uma ameaça ao império a presença massiva de portugueses pelo território nacional, afinal, acreditavam que se houve a necessidade de declarar independência era porque havia uma demanda social, cultural, política e econômica para a construção de uma nova nação.

Referência:

GUERRA FILHO, Sérgio Armando Diniz. O Antilusitanismo na Bahia (1822-1831). Universidade Federal da Bahia – Salvador, 2015.

Arquivado em: Brasil Imperial
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