Projeto Dantas

Graduada em História (Udesc, 2010)
Mestre em História (Udesc, 2013)
Doutora em História (USP, 2018)

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O Brasil pós 1870 já era uma monarquia em crise. A Guerra do Paraguai, a ascensão do Partido Republicano e a contestação ao sistema escravista questionavam o governo de D. Pedro II. O imperador entendia que precisava dar conta das demandas populares para manutenção de seu poder. A monarquia estava prestes a cair. E foi justamente neste contexto que o movimento abolicionista ganhou mais força, apresentando diversas formas de resistência: dos quilombos urbanos aos jornais o regime de trabalho escravocrata estava com os dias contados. Desde o início do século XIX havia uma considerável pressão por parte da Inglaterra para que se acabasse o tráfico atlântico e a exploração do trabalho escravo. O Brasil demorou a acabar com a escravidão, o que só aconteceu quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea em 13 de maio de 1888, depois de muita luta e mobilização popular.

Mas, antes da Lei Áurea, muitas outras foram elaboradas com vistas a tratar da questão da escravidão. A Lei Eusébio de Queirós, de 1850, acabou com o tráfico atlântico; a Lei do Ventre Livre, de 1871, tornou livres todos os nascidos a partir de então; a Lei dos Sexagenários deixou homens e mulheres que tivessem mais de sessenta anos livres do trabalho escravo em 1885. É neste contexto que foi desenvolvido o Projeto Dantas, que foi uma proposta legal com ideias abolicionistas que foi desenvolvida e apresentada pelo senador liberal Manuel Pinto de Souza Dantas em 1884, apenas um ano antes da Lei dos Sexagenários.

O Projeto Dantas foi desenvolvido a pedido do Imperador, procurando conter os ânimos agitados do período e atender as demandas populares. Mas, o projeto de Dantas mostrou-se mais inovador, e, além da abolição da escravidão previa também a distribuição de terras, entendendo que os antigos escravos precisariam de partes de terra para sua subsistência e para iniciar a vida livre. Estabelecia ainda um prazo final para a abolição, 31 de dezembro de 1889, e ainda não tocava no assunto mais polêmico, e que mais movimentava – e revoltava – os proprietários de escravos e de terras: a indenização. O projeto Dantas não previa indenização para os senhores de escravos que perdessem a suas propriedades, e isso gerou insatisfação.

Para que o projeto fosse efetivado com organização, era preciso conhecer a realidade em números dos trabalhadores em sistema de escravidão no país. O senador Dantas estava levando em consideração as leis que antecederam o seu projeto: ele acreditava que muitos já estavam libertos após a aprovação da Lei do Ventre Livre. Ele não estava errado: quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea boa parte da população já estava liberta (embora isso não signifique que tenha ficado menos marginalizada). Além disso, o senador julgava fundamental registrar e identificar a população que fora escravizada: o controle de dados significava poder. Outra ideia sua foi determinar a fixação do escravo em um domicílio, dificultando assim a venda e o trânsito, mantendo o controle da informação sobre eles.

O projeto Dantas era bem democrático e preocupava-se com a questão social. Se usualmente relacionamos a abolição com o republicanismo, acreditando serem faces da mesma moeda, é preciso apurar o olhar para compreender que mesmo dentro do poder monárquico – como no caso do senador Dantas, aqui citado – havia propostas mais populares e mais democráticas, que se voltavam para a questão social e para a adequação da população às novas normas e relações de trabalho.

Assim, como mais um passo da proposta popular, Dantas previu além da distribuição de terras – uma forma de reforma agrária - todo um conjunto de assistências sociais e organização do trabalho agrícola. Certamente o projeto sofreu ferrenha oposição, especialmente dos proprietários de terras que contavam não só com o trabalho de sujeitos escravizados, mas também com uma possível indenização caso a abolição acontecesse. O projeto Dantas sofreu diversas modificações e foi aprovado no ano seguinte, conhecido como Lei dos Sexagenários, que libertou os mais velhos, mas não promoveu as reformas populares previstas pelo senador.

Referências:

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.

SCHWARCZ, Lilia; STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Arquivado em: Brasil Imperial
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