O Príncipe

Mestra em História (UFRJ, 2018)
Graduada em História (UFRJ, 2016)

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O Príncipe é o livro mais famoso do escritor florentino Nicolau Maquiavel, terminado em 1513, sendo uma obra focada em liderança política e em como melhor trabalhar as habilidades de dominação. Embora o livro siga em diversos pontos o gênero tradicional da época que visa dar conselhos a soberanos – conhecido como espelho de príncipe -, as afirmações chocantes contidas na obra garantiram que, em poucas décadas, surgisse o adjetivo “maquiavélico” para designar alguém diabolicamente astuto.

Nicolau Maquiavel. Pintura de Santi di Tito, séc. XVI.

O Príncipe foi originalmente nomeado por Maquiavel como Dos Principados, só ganhando o título pelo qual é conhecido cinco anos após a morte do autor, quando editores do livro o rebatizaram. Composto por 26 capítulos, o livro é dedicado para o “Magnífico Lourenço de Médicis”, governante despótico da República de Florença. O fato que o próprio Maquiavel era republicano gerou mais tarde a interpretação que O Príncipe, em verdade, buscava apenas satirizar todo o gênero de espelho de príncipe. Entretanto, em 1513, Maquiavel não tinha qualquer ocupação que lhe fornecesse renda, sendo assim possível que apenas desejasse agradar governantes que o pudessem empregar.

A obra em si se adequa ao costumeiro modelo de espelho de príncipe em diversos pontos, como ao defender a conservação da paz e o tratamento justo dos súditos por parte do soberano. O que mais diferencia o livro de outros contemporâneos, porém, é o modo como Maquiavel escolhe apresentar as virtudes mais adequadas a um líder. Tradicionalmente, os autores de espelhos de príncipe exaltavam a busca de um soberano por honra e glória que potencializassem suas boas características (virtu), enquanto contavam com uma boa sorte (fortuna) que os favorecesse ao demonstrar um comportamento adequadamente cristão. O próprio Maquiavel escreve em O Príncipe que

“o príncipe deve ser ponderoso em seus julgamentos e em suas ações, sem temer o seu próprio poder, e proceder de um modo equilibrado, com prudência e benevolência”.

Maquiavel defende também, contudo, que a natureza dos homens deve ser levada em consideração antes que o soberano escolhesse a conduta mais apropriada ao caso. Baseado em suas experiências anteriores, ele argumenta que, em sua maioria, os homens são “ingratos, volúveis, fementidos e dissimulados, fugidios quando há perigo, e cobiçosos”; nada mais natural, assim, do que agir de acordo e não sofrer derrotas por ingenuidade.

Pior do que isso, de acordo com Maquiavel, é depender demais da fortuna, uma vez que ela era conhecidamente instável. Para precaver-se, o soberano deveria saber usar bem a crueldade: afinal, de acordo com o autor, “os homens (...) atentam os outros homens ou por ódio ou por medo”. Para ele, a crueldade deve ser aplicada apenas quando for necessário, e o mínimo de vezes que fosse executável. Desta forma, seria possível inspirar confiança nos súditos e, eventualmente, conquistar suas simpatias. Defende Maquiavel, neste sentido, que o ideal seria que o soberano fosse tanto temido quanto amado em seus territórios. Porém, se isso não fosse possível, se deveria escolher o temor.

Além de ter gerado um adjetivo pejorativo com o seu sobrenome, Maquiavel conquistaria uma reputação perversa em geral nos países ocidentais em que sua obra ficou mais conhecida. Em adição, uma abreviatura de seu primeiro nome (“Nicky”) tornou-se um termo análogo ao diabo cristão nos países de língua inglesa. Apesar da fama controversa que possui hoje, entretanto, Nicolau Maquiavel ainda se encaixa no modelo renascentista dos espelhos de príncipe ao defender que um soberano procure comportar-se de forma íntegra e cristã; a única diferença é que o autor defende que o soberano compreenda os momentos em que esse comportamento mais o prejudica do que o beneficia. Ao final, O Príncipe não apresenta uma visão amoral da política, demonstrando serem necessárias, para um soberano, duas moralidades distintas.

Bibliografia

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Porto Alegre: L&PM, 2008. p. 40, p. 46 e p. 98.

SKINNER, Quentin. “A era dos príncipes”. In: As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 155.

DIETZ, Mary. “Trapping The Prince: Machiavelli and The Politics of Deception”. In: The American Political Science Review. Volume 80, número 3, 1986. p. 777-799.

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