A diluição da curiosidade no âmbito escolar

Licenciatura Plena em Química (Universidade de Cruz Alta, 2004)
Mestrado em Química Inorgânica (Universidade Federal de Santa Maria, 2007)

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O homem possui natureza elementar da curiosidade, visto que aquilo que hoje é descrito como apenas um atributo já  o fora no passado garantia de sobrevivência. Já nos primeiros anos de vida percebe-se que a criança clama pelo novo, pelo desconhecido, pelo conhecimento. Sente necessidade de aprender, de conhecer, para então partilhar de suas descobertas. O misterioso, o incomum, o surpreendente... Torna-se evidente o fato da curiosidade ser uma característica natural, intrínseca, inerente à nossa espécie.

É nesse instante que o Universo das Ciências surge como um bálsamo à alma, sempre sedenta pelo saber. Afinal, não são as ciências que possuem todas as respostas? Não são nas leis físicas, teorias químicas ou formalismo matemático que podemos nos aconchegar em momentos de incerteza? Bem, o fato é que a maior parte das crianças chega até ao conhecimento científico da forma mais esplendorosa possível: a límpida necessidade pelo saber. E a cada algo novo que descobre acende dentro de si a luz da verdadeira ciência, capaz de despertar um sentimento de satisfação pessoal impossível de ser descrito, mas somente o sentindo, infelizmente, como veremos adiante, pouquíssimas vezes em sua vida.

E uma questão torna-se de alta relevância: não seria este fervor pelo conhecimento, pelo saber, mesmo antes da clareza de o que procurar, o real aspecto das ciências que buscamos construir junto a nossos alunos? Uma ciência agradável, um conhecimento prazeroso, capaz de ser vivenciado e construído no coletivo e nas pesquisas individualizadas, e não uma coleção de definições, classificações e equações que nada fazem senão afastá-los cada vez mais deste meio? Por mais que não concordemos com essa idéia, o fato é que temos de trabalhar com tais questões, mas também o faremos em um próximo momento.

Nosso personagem “imaginário” chega então a um tradicional ensino médio, e já há aproximadamente uma década freqüenta esses ambientes categóricos. Seu professor de ciências está a sua frente, ele observando-o, diluído em uma pequena multidão com objetivos diversos, e a troca de saberes entre ambos já não mais acontece, pois aquela linguagem que aprendera na infância não será novamente percebida. E vários fatores poderiam aqui serem levantados, mas apenas um o será: aquela já apontada curiosidade de infância cedera lugar à apatia e ao conformismo com uma postura em que o conhecimento há muito tempo deixara de ser fator determinante de sua existência. E o esforço do professor na grande maioria das vezes fica aquém do interesse do aluno, qualquer que seja seu método. E o que teria ocorrido desde a infância até essa fase de vida que provocaria tamanha perturbação na ordenação das importâncias desse nosso aluno?

É sabido a desmotivação apresentada pela maioria dos estudantes regulares de ensino médio em relação às aulas de ciências naturais. De modo mais específico, o que teria afastado tanto esse aluno do caminho do pensamento científico natural? Inúmeras conjecturas poder-se-ía aqui fazer, mas apenas duas o serão: suas relações familiares e o ambiente escolar no qual fora inserido.

Em relação à primeira, a imensa maioria das famílias brasileiras não dispõe de hábitos ou meios que incentivem a busca pelo conhecimento. Os livros, os cursos de formação, a assinatura de uma boa revista nem mesmo de longe são prioridades dentro de casa, passando muitas vezes a ser considerados superficialidades. E aqui mais uma vez o exemplo é o que fica, o restante é transitório. O incentivo à leitura não é feito ao mandar-se ler, mas ao se ter a leitura como rotina.

Já com relação à segunda, é nítido o fato do ambiente escolar desde o princípio não motivar o aluno a aprender pelo prazer, mas sim a forçá-lo a passar por seus anos de formação acadêmica como obrigação a ser superada. O método de ensino é enferrujado, a formação dos professores é precária, a estrutura física e pedagógica das escolas é insuficiente à atual demanda social, e nada fazem senão desestimular cada vez mais o aluno e levá-lo a um caminho que o distanciará cada vez mais de seus aspectos intelectuais. A transmissão linear e isotônica do conhecimento acumulado, de forma padronizada, maçante, astronomicamente distante da realidade do aluno não pode promover nenhuma espécie de crescimento pessoal, pois não constrói um cidadão crítico, pensante, solidário, ativo, participativo nos aspectos que tangem à sua responsabilidade junto à sociedade e ao planeta.

E o conhecimento científico, tão rico e estimulante lá na infância, transformara-se agora no grande temor para uma esmagadora maioria que não é capaz de relacioná-lo ao seu próprio contexto, sequer aproximá-lo deste. Nosso aluno não consegue pensar cientificamente, pois desde a infância fora treinado para receber e reproduzir informações, tanto em casa quanto na escola, e demonstra isso em sua dificuldade extrema em resolver problemas de natureza lógica ou interpretativa, que extrapolarem suas informações teóricas ou forçá-lo a relacioná-las na busca pelo novo.

De modo conciso, a curiosidade natural, destacando-se a científica, demonstrada ainda na infância, é diluída continuamente em dois fatores: a não estimulação familiar pelo conhecimento e a deturpada abordagem que se dá às ciências no ambiente escolar tradicional.

Referências:                                                
CACHAPUZ, A. 1999. Epistemologia e ensino das ciências no pós – mudança conceitual: análise de um percurso de pesquisa In: II Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Valinhos: São Paulo. Atas II – ENPEC.

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