A preservação da autoestima estudantil

Professora de História

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Vivemos em um momento no qual a autoestima de nossos jovens parece estar ainda mais fragilizada que em qualquer outro momento. Além dos problemas típicos da adolescência, o uso de medicamentos para “equilibrar” o comportamento – utilizados cada vez mais frequentemente desde a infância – e o excesso de exposição e comparação de suas vidas “felizes” ou “rebeldes” nas redes sociais – gerando uma comparação catastrófica entre eles - , o medo presente entre todas as sociedades nos dias atuais contribui para o problema.

Há anos, penso em escrever sobre uma situação que ocorreu com uma estudante do 7º ano. Eu lecionava Artes para aquela turma e propus uma atividade na qual cada estudante deveria fazer dois desenhos numa folha. Na esquerda, sua vida atual, e, na direita, como imaginava sua vida dali 10 anos. Para quem já utilizou essa atividade em sala de aula, sabe que é uma poderosa ferramenta para, através da Arte, investigar possíveis abusos, traumas e outras circunstâncias que mereçam uma atenção maior pelos profissionais competentes.

A menina, na época com uns 13 anos, desenhou, na esquerda, uma pequena lata de lixo e, na direita, uma grande lata de lixo. Perguntei por que havia feito esses desenhos (poderia ser, por exemplo, por não gostar da atividade, ou vários outros motivos). Ela respondeu o seguinte: “é que hoje eu sou um lixo pequeno e, daqui 10 anos, eu vou ser um grande lixo”.

A resposta era claramente um alerta para um sério problema de autoestima. Pedi que voltasse para sua mesa e fizesse outro desenho no verso, pois eu não aceitaria aquele, visto que não era verdade. Perguntei-lhe se tinha alguma coisa que gostaria muito de fazer e ela respondeu que sempre sonhou em viajar pelo mundo. “Por que não desenha isso?” Indaguei sobre a viagem procurando estimular outras percepções de futuro. O trabalho dela ficou muito bom.

Em outro trabalho de Artes, no qual os estudantes deveriam observar todo o caminho da escola até suas casas e destacar 6 coisas que mais lhes chamavam atenção, essa mesma estudante prontamente falou que tinha lixo nas calçadas.

Bom, nem todas as calçadas do entorno da escola tinham lixo, mas, com essa fala, a garota expôs algo muito importante: seu campo visual apontava predominantemente para baixo. Existem muitos aspectos psicológicos envolvidos nessa predominância visual, mas quero aqui destacar dois, que, na época, me chamaram mais atenção: a baixa autoestima e o sistema representativo de predominância auditiva e cinestésica1.

Passei a observar seu comportamento mais atentamente. Ela não parava na cadeira e, em quase todas as aulas se envolvia em algum tipo de agressão aos colegas (mesmo quando não expressava raiva ou algo parecido). A impressão que aos poucos fui tendo sobre ela é que o toque, mesmo quando acompanhado de algum xingamento aos colegas, era seu mecanismo de externar um descontentamento próprio e uma forma de se manifestar. Mesmo que fosse inadequado. Mesmo que eu tivesse que enviá-la à direção. Mesmo que eu tivesse certa vez que apartar uma briga entre ela e outra garota no meio da aula e colocar cada uma delas em uma “cadeirinha do pensamento” em posições opostas da sala para se acalmarem .

Sendo eu uma pessoa predominantemente digital/visual2, precisaria aprender como trabalhar com uma estudante de predominância auditiva/cinestésica, propor atividades que a atingissem. E, mais que isso: ter paciência para lecionar em meio a uma turma agitada levando em consideração as especificidades de cada estudante.

É muito importante que os docentes percebam o que está além do mau comportamento. E a baixa autoestima é bastante comum nestes casos e deve ser considerada na ocasião do planejamento das aulas. O que, no contexto do conteúdo que está sendo proposto para a aula, pode ser vinculado às demandas pessoais dos estudantes?

Paulo Freire já preconizava a importância da valorização do contexto do estudante para o êxito da aprendizagem3. Eu me questiono: sem conhecer melhor os estudantes, como ajudá-los naquilo que realmente precisam? Será que um estudante que “vai mal” em uma determinada área de conhecimento realmente tem dificuldade naquela matéria? Ou será que há um bloqueio emocional “disparado” quando se trabalha determinado assunto.

Timidez, baixa autoestima, depressão e bullying são apenas alguns dos problemas enfrentados pelos jovens, dentro e fora da sala de aula. E, no contexto atual, de aulas à distância, é ainda mais desafiador de ser observado. Cabe também salientar que o assunto deve ser falado em sala de aula. Seja esta sala física ou virtual. Às vezes, um pequeno parágrafo em uma folha impressa e entregue como atividade remota pode gerar uma profunda reflexão.

É fundamental tratar sobre a autoestima no contexto escolar, posto que é o local (mesmo que no ensino remoto) de interação e trocas de experiências. E a educação básica está presente na vida dos estudantes exatamente no momento de grandes transformações em suas vidas.

E a estudante em questão?

Ainda naquele ano, em um outro trabalho de Artes no qual os jovens tiveram que analisar as necessidades do bairro e propor a construção de uma praça em um terreno próximo à escola com os elementos que considerassem importantes para a comunidade, a estudante apresentou – junto com seu grupo – uma das melhores propostas, tanto em termos estéticos quanto em justificativa das escolhas dos itens elencados para compor o espaço urbano. Aquele trabalho chamou atenção especial pela proposição, ao centro da praça, de um espaço para oração.

Conversei recentemente com a garota sobre aquela experiência e ela me relatou o seguinte:

... pelo fato de eu sempre ter sido ligada à igreja, eu sabia que a igreja de alguma forma iria me livrar do caos. Eu lembro que muita gente me questionou “mas por que igreja?” – se havia tantas igrejas já em nossa volta, na nossa cidade. O problema é que existem sim muitas, mas não são vistas por muitos. Assim como eu me sentia naquele momento, naquela época, às vezes existimos, mas nem sempre vamos ser vistos com atenção. E também você me ajudou muito. Me motivou a ser alguém melhor. E devo muito a essa querida professora!”

1 Para maiores informações, consultar a obra “Poder sem limites”, de Antony Robbins, na qual são descritos comportamentos comuns a pessoas de cada tipo de predominância de sistema representativo, segundo os conceitos da PNL (Programação Neurolinguística).

2 Professora e estudante foram submetidas ao teste do sistema representacional, de William Edward “Ned” Herrmann, confirmando que tinham percepções diferentes do ambiente.

3 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia.

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