Batalha dos Guararapes

Mestre em História (UFAM, 2015)
Graduado em História (Uninorte, 2012)

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Largueza quando, pela vez primeira, o povo brasileiro se revela como soberano; dispensando para isso qualquer ajuda de um reino da Europa, começa a traçar o seu próprio destino ao derrotar o mais importante exército de então. Nos Montes Guararapes, de forma única e pioneira, reunidos em torno dos ideais da chamada Guerra da Liberdade Divina, pugnaram [insistiram] ombro a ombro os exércitos constituídos de negros, índios, luso-brasileiros e portugueses, comandados respectivamente por Henrique Dias [liderança negra], Filipe Camarão [liderança indígena], Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira” (Marcos Vinícius Vilaça).

A Batalha dos Guararapes foi constituída por dois eventos conflituosos que envolveram holandeses, portugueses e indígenas, entre 1648 e 1649, nos Montes Guararapes, em Pernambuco. O evento se insere no conjunto dos acontecimentos relacionados à Restauração Pernambucana, desencadeada entre os anos 1645 e 1654, estabelecendo limites para a presença holandesa e o fim de seu poderio no litoral brasileiro. Para alguns estudiosos, as violentas batalhas ocorridas nos Montes Guararapes constituíram o início do fim das Invasões Holandesas no Brasil. No entanto, a conjuntura na qual tais eventos ocorreram é muito mais complexa, conectando diferentes partes da América Portuguesa.

Após a conquista de Pernambuco (1630-1654) os holandeses passaram a dominar os territórios pertencentes, respectivamente, à capitania da Paraíba (1634-1654), Rio Grande do Norte (1634-1654), Capitania Real do Ceará (1637-1644/1649-1654) e a capital do Estado do Maranhão, São Luís (1641-1644). Sob a administração do Conde Maurício de Nassau (1637-1644), a expansão holandesa no litoral atlântico norte parecia alcançar projeções cada vez maiores, especialmente por conta da ajuda indispensável dos indígenas que, muitas vezes, se aliaram aos holandeses como alternativa ao jugo cristão e escravocrata português. O padre jesuíta Luís Figueira, ainda em 1637, alertava para o fato de que venceria aquela guerra o lado que tivesse a maior quantidade de indígenas como aliados.

Do lado holandês, a presença indígena se fazia forte. Em 1645, a Assembleia Indígena de Tapessirica reuniu centenas de lideranças indígenas. Naquela ocasião, os holandeses montaram as bases de seu exército indígena. Das 145 lideranças que assinaram um tratado político com os holandeses destacaram-se como comandantes militares os chefes indígenas Pedro Poty, dos arredores de Recife e Antônio Paraupaba, do Rio Grande do Norte. Tais tratados faziam parte da lógica das alianças e conflitos do contexto. Do lado português, figuras conhecidas no âmbito militar como João Antônio Vieira, André Vidal de Negreiros, Francisco Barreto de Meneses, o negro Henrique Dias e os chefes indígenas Filipe Camarão e Diogo Pinheiro Camarão foram atores importantes na resistência contra as investidas holandesas. Num futuro não muito distante, os conflitos iminentes concorreriam para o colapso de uma organização política, militar e econômica que conectava boa parte do litoral colonial português na América com a Holanda.

Passados alguns anos sob o jugo holandês, muitos indígenas que haviam desempenhado funções importantes nas conquistas da Capitania Real do Ceará e de São Luís perceberam que, apesar da liberdade religiosa, os holandeses estavam desenvolvendo práticas escravistas semelhantes àquelas de seus desafetos portugueses, deixando de cumprir promessas feitas aos grupos indígenas aliados, como no caso dos Tabajaras do Ceará. Disso decorreram uma série de movimentos indígenas de caráter militar que passaram a intentar contra o poderio holandês em seus territórios.

A partir de 1644, tais reações iniciaram um processo de enfraquecimento do poderio holandês. Iniciadas em São Luís, revoltas envolvendo portugueses e indígenas Tupis levaram a expulsão dos holandeses. Indígenas do Ceará, percebendo o enfraquecimento holandês, também iniciaram um levante que terminou com a reconquista daquela capitania. É nesse contexto de revoltas e expulsões, iniciado no Estado do Maranhão, que se inicia a Restauração Pernambucana, nos idos de 1645. As duas Batalhas dos Guararapes (1648/1649) foram decisivas para a retomada de Pernambuco, em 1654, representando a libertação de uma população oprimida pela exploração econômica. No entanto, fazem parte de um processo bem mais complexo.

Fonte para pesquisa:

Ata de uma Assembleia de Índios, ocorrida em Pernambuco, em 1645, com a participação dos holandeses. Cf. ELIAS, Juliana Lopes. Um documento quase inédito: participação dos povos indígenas na burocracia colonial. Clio Arqueológica – Recife, 2002. Disponível em: https://www3.ufpe.br/clioarq/images/documentos/2002-N15/2002a13.pdf; Acesso em: 06 dez. 2017.

Referências:

BENTO, Cláudio Moreira. As Batalhas dos Guararapes: descrição e análise militar. 2ª edição. Porto Alegre: Gêneses – Academia de História Militar Terrestre do Brasil, 2004. Disponível em: http://www.ahimtb.org.br/As%20Batalhas%20dos%20Guararapes.pdf; Acesso em: 06 dez. 2017.

FERNANDES, Fernando Roque. O teatro da guerra: índios principais nas conquistas do Maranhão (1637-1667). Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Amazonas – Manaus, 2015. Disponível em: http://200.129.163.131:8080/handle/tede/23/browse?type=author&order=ASC&rpp=20&value=Fernandes%2C+Fernando+Roque; Acesso em: 06 dez. 2017.

MALHEIROS, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social. 2ª edição (online), Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 1867. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/27nk7/pdf/malheiros-9788579820731.pdf; Acesso em: 06 dez. 2017.

MELLO, Evaldo Cabral de. Imagens do Brasil holandês (1630-1654). ARS – São Paulo, v. 7, n. 13, p. 160-171, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ars/v7n13/arsv7n13a11.pdf; Acesso em: 06 dez. 2017.

NASCIMENTO, Rômulo Luiz Xavier do. Descendo a ladeira. Revista de História. Matéria publicada em 01 jun. 2008. Disponível em: http://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/wp-content/uploads/2017/02/Descendo-a-ladeira-Revista-de-Hist%C3%B3ria.pdf; Acesso em: 06 dez. 2017.

VILAÇA, Marcos Vinicius. Duas vezes Guararapes (1648-1649). Revista Da Cultura – Fundação Cultural Exército Brasileiro. Disponível em: http://www.funceb.org.br/images/revista/13_3c1f.pdf; Acesso em: 06 dez. 2017.

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