Poluição genética

Mestre em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCAR, 2019)
Bacharel em Ciências Biológicas (UNIFESP, 2015)

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Um tópico recente de discussão na sociedade envolve o termo “poluição genética”. De modo geral, este termo define a ocorrência, transmissão e disseminação de genes artificialmente editados ou organismos geneticamente modificados por técnicas humanas entrando em contato com populações naturais. Seja acidental ou proposital, a introdução de espécies invasoras (naturais ou artificiais) pode trazer diversos impactos ecológicos negativos aos habitats e deve ser evitada.

Através dos milênios de agricultura humana, diversas técnicas de seleção foram utilizadas para desenvolver espécies vegetais que atendessem aos nossos interesses econômicos e nutricionais. Essa manipulação, feita através de cruzamentos, hibridização e descarte de características indesejadas, alterou o pool gênico de diversas espécies de plantas. Pool gênico é considerado a soma de todo o potencial e diversidade de genes de uma população. Um pool gênico grande é positivo, pois permite a existência de diversidade de características que podem ser importantes para a adaptação frente a alterações ambientais. No entanto, essa seleção artificial não introduziu novo material genético na agricultura, como ocorre atualmente.

Com o advento da clonagem e das técnicas moleculares de edição genética e transgenia, os seres humanos são hoje capazes de remover um gene relacionado a resistência a um herbicida que originalmente ocorre em uma bactéria e introduzi-lo na soja, criando um organismo geneticamente modificado (OGM) transgênico que possui em seu DNA o gene de outro organismo. Segundo ambientalistas, isso estaria produzindo uma poluição genética que pode arriscar a natureza caso estes transgênicos ou híbridos transmitam essas características novas a outros organismos.

Entretanto, as técnicas de manipulação genética que criam os OGMs são altamente controladas e seguem diversos protocolos de biossegurança para evitar o chamado “escape ambiental” de organismos alterados em laboratório. Inclusive, um dos cuidados feitos por pesquisadores que trabalham com transgênicos é a geração de indivíduos estéreis, incapazes de se reproduzir. Ainda assim, sabemos que este risco é real, o que sempre levanta novas discussões sobre a ética na pesquisa de transgênicos.

Outra forma de poluição genética que não envolve a biologia molecular foi iniciada também a milênios, estimulada pelo comercio. Segundo relatos históricos, reis egípcios, imperadores romanos e navegadores de todos os cantos do mundo transportavam animais e plantas que eles consideravam exóticos de terras distantes para seus territórios, pratica que e feita até os dias de hoje. Isto levou a introdução de espécies invasoras que trazem uma considerável poluição genética ao pool gênico nativo. Como exemplo animal, podemos citar o caramujo-africano, trazido ao Brasil da década de 1980 para ser criado como opção de consumo. Contudo, o baixo aceite dele como item alimentar levou os criadouros a descartarem o animal na natureza, tornando-se um problema ambiental nacional que afeta plantações e pode transmitir doenças, competindo com espécies nativas de caramujo.

No caso das plantas, o risco da introdução de invasoras é ainda maior porque pode ocorrer hibridização cruzada, afetando as características genéticas das populações naturais. Um exemplo seria a espécie de mogno nativa de uma ilha da Califórnia que praticamente se extinguiu diante da introdução de outra espécie de mogno que foi trazida para a ilha. A prole resultante da hibridização da espécie invasora com a nativa apresenta vantagens em relação ao crescimento e ao uso de recursos, o que é comum entre espécies exóticas uma vez que elas passam a se desenvolver num ambiente sem predadores naturais. Esse tipo de poluição genética é mais frequente do que imaginamos e causa a extinção de dezenas de espécies anualmente.

Na comunidade cientifica, o termo poluição genética tem sido discutido e evitado, uma vez que carrega consigo a ideia de deterioração que, em muitos casos, pode não corresponder a verdade. Acredita-se que a mídia esteja popularizando a ideia de poluição ou contaminação genética por seu impacto propagandista e político. Diversos cientistas têm preferido utilizar as expressões “mistura genética” ou “fluxo genético” para identificar casos de hibridização, uma vez que o termo não carrega juízo de valor e simplesmente indica a ocorrência de miscigenação de material genético.

Leia também:

Referências:

Potts, B.M., Barbour, R.C., Hingston, A.B. and Vaillancourt, R.E., 2003. Genetic pollution of native eucalypt gene pools—identifying the risks. Australian Journal of Botany51(1), pp.1-25.

Levin, D.A., Francisco‐Ortega, J. and Jansen, R.K., 1996. Hybridization and the extinction of rare plant species. Conservation biology10(1), pp.10-16.

Dubois, A., 2006. Species introductions and reintroductions, faunistic and genetic pollution: some provocative thoughts1. Alytes24(1-4), p.147.

Hoffmann, A.A., Miller, A.D. and Weeks, A.R., 2021. Genetic mixing for population management: From genetic rescue to provenancing. Evolutionary applications14(3), pp.634-652.

Arquivado em: Ecologia, Genética
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