O problema do regresso infinito

Mestre em Filosofia (UFRJ, 2012)
Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação (UFF, 2015)
Graduado em Filosofia (UFRJ, 2010)

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Em nosso dia-a-dia, estamos acostumados a não questionar o que acreditamos ou dizemos saber, em especial, nossas crenças mais fundamentais e costumeiras. Se fôssemos tentar confirmar tudo o que acreditamos ou sabemos, provavelmente colocaríamos algumas das nossas crenças em dúvida, pela falta de um argumento ou evidência que as confirmem. O regresso infinito assemelha-se a essa dificuldade: é um tipo de argumento que ataca a possibilidade de adquirir conhecimento.

O problema originou-se na Grécia antiga e ainda hoje nos surpreende com as possíveis tentativas de resposta. Aristóteles percebeu que nossa limitação em raciocinar nos levaria a considerar que uma série de explicações não pode ser infinita, e que as razões oferecidas não poderiam ser simplesmente assumidas ou depender do que já foi oferecido. Como argumento contra a possibilidade de alcançar conhecimento, o regresso infinito tem sua origem no pensamento do cético pirrônico Sexto Empírico. Apesar de não ser possível nomear um argumento único como ‘o argumento do regresso infinito’, todos adotam como uma de suas premissas o requerimento epistemológico de que toda razão oferecida para explicar uma crença precisa ser também justificada. É essa exigência que leva a uma busca contínua por razões.

“Suponha que ofereçamos uma razão, r1, para manter uma de nossas crenças, c. Em seguida, somos questionados por uma razão para manter r1, e providenciamos a razão r2. Novamente, somos questionados por uma razão para manter r2, e oferecemos r3. Agora, ou esse processo poderia continuar indefinidamente, o que parece sugerir que nada foi conquistado ao oferecer razões, pois sempre será preciso uma outra; ou, se alguma razão se repete, parece que argumentamos em círculo e que nenhum argumento tal como esse poderia fornecer uma base boa para a aceitação de b; ou, se chegar a um momento no qual não há uma razão adicional, parece que o ponto de parada é mantido arbitrariamente, pois não haveria uma base razoável para mantê-lo.” (KLEIN, 2011, p. 245, grifo nosso, tradução nossa)

Admitindo que conhecer é possuir uma razão ou explicação para nossas crenças e que cada um desses elementos de suporte é também algo que acreditamos ou supomos ser verdadeiro, entraríamos em uma série infinita de explicações, pois cada crença necessitaria de uma razão ou argumento que a sustente. Laurence Bonjour (2010) e Robert Audi (2011) comentam sobre a dificuldade de aplicarmos o problema do regresso infinito em raciocínios voltados a questões mais práticas. Normalmente, em nosso raciocínio diário, não necessitamos confirmar tudo o que acreditamos ser verdadeiro ou o que dizemos saber, mas do ponto de vista epistemológico, só conhecemos aquilo para o qual temos uma justificação.

Não percebemos, imediatamente ao menos, a importância do problema, pois assumimos que nossas fontes de conhecimento usuais, por exemplo, nossos sentidos e nossa memória, são confiáveis. No dia-a-dia concedemos que nossas fontes de conhecimento são garantidas, por motivos práticos, como a falta de tempo, por exemplo. Em todo caso, em nossa experiência já percebemos a falha dos meios ordinários de adquirir conhecimento – e, em alguns casos, nossa própria limitação cognitiva –, e tão logo comecemos a questionar nossas crenças, em especial quanto à justificação, perceberemos a importância desse problema. Está em questão não o aspecto prático das nossas ações, mas a validade racional das nossas crenças.

Em Epistemologia, essa dificuldade nos leva a considerar as principais estruturas de justificação de crenças. Teorias fundacionalistas tentam impedir o regresso ao estabelecer crenças que não dependem de outras para serem aceitas epistemologicamente. Teorias coerentistas apostam na reciprocidade que nossas crenças possuem, indicando que a racionalidade consiste em critérios de coerência. Uma outra opção é o Infinitismo, pouco defendida no meio acadêmico, que admite que a sequência de explicação de razões é infinita, mas que isso não leva ao ceticismo, pois não é exigido que alguém possua todas as razões, mas que seja possível acessar essas razões quando for necessário justificar alguma crença.

Referências bibliográficas:

AUDI, Robert. Epistemology: A Contemporary Introduction to the Theory of Knowledge. 3ª ed. New York: Routledge, 2011. (Routledge Contemporary Introductions to Philosophy)

BONJOUR, Laurence. Epistemology: Classic Problems and Contemporary Responses, 2nd ed. New York: Rowman & Littlefield Publishers, 2010. (Elements of philosophy)

KLEIN, Peter. Infinitism. BERNECKER, Sven; PRITCHARD, Duncan (Eds.). Routledge Companion to Epistemology. New York: Routledge, 2011. p. 245-256.

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