Eugenia

Licenciatura Plena e Bacharelado em Ciências Sociais (Faculdade de Ciências e Letras UNESP, 2015)
Mestrado em Ciências Sociais (Faculdade de Ciências e Letras UNESP, 2017)

Este artigo foi útil?
Considere fazer uma contribuição:


A eugenia é uma teoria baseada na genética de que seria possível criar seres humanos melhorados a partir do controle genético dos mesmos. Esses aprimoramentos não seriam, porém, apenas biológicos, mas também sociais, psicológicos, econômicos e culturais. Assim, as ideias da teoria eugênica foram utilizadas largamente para propagar preconceitos e discriminações entre diferentes grupos sociais. As ideias de eugenia apareceram na Inglaterra, mas foram amplamente disseminadas pelo mundo e utilizadas com diferentes propósitos, inclusive pelo regime nazista para justificar o extermínio de pessoas judias, causando o Holocausto. Apesar de este ser o exemplo histórico mais conhecido, não é o único momento de aplicação da eugenia como política.

Francis Galton

A teoria da eugenia surge em meados de 1800, com Francis Galton, primo de Charles Darwin, que se dedicava aos estudos de hereditariedade e a transmissão de características pela hereditariedade. Essa técnica já era utilizada com espécies de plantas e animais, chamada de reprodução seletiva ou melhoramento genético, de forma que os melhores indivíduos da espécie eram manipulados para que seus genes se reproduzissem, enquanto outros eram evitados para que suas linhagens não continuassem. A ideia geral de Galton era a reprodução de gênios e de espécimes melhores na humanidade. Essas teorias foram incorporadas por grupos que estavam incomodados com diferentes problemas sociais e acreditavam que a solução seria que as linhagens humanas fossem melhor selecionadas. Essa seleção, porém, tinha ideais discriminatórios e preconceituosos como base para pensar como essa ideia de “melhor”.

A teoria deu àqueles que estavam aterrorizados com o que viam nas ruas uma estrutura biológica para a compreensão da situação: tudo se resumia a problemas hereditários. No entanto, não era precisamente a isso que Galton se referia: para o vitoriano, a eugenia tratava de fomentar a reprodução de gênios. Foi nos Estados Unidos que a eugenia ganhou contornos mais negativos: o controle de quem se reproduziria e quem não teria esse direito. "Isso acontecia porque os Estados Unidos pareciam estar se 'degenerando' - essa era a palavra usada na época", disse Kevles. (LANG-STANTON & JACKSON, 2017)

Para Norberto Bobbio, a eugenia tem grande relação com as teorias racistas que tem uma nova interpretação com os estudos de biologia a partir do século XIX. O argumento central do autor perpassa a construção do racismo como uma atitude ideológica, muitas vezes desvinculada da ideia biológica quando se observa períodos anteriores à época contemporânea. O racismo é utilizado por vários povos a fim de construir a sua identidade por oposição aos demais. Afirma-se o que é, sabendo-se o que não se é. Com a época contemporânea, principalmente a partir do século XIX, as teorias da biologia influenciarão fortemente o social, de forma a se pensar que a sociedade pode ser considerada um organismo biológico e que as características humanas vinculadas a cultura estariam pré-determinadas na biologia das raças.

Este conceito materialista se desenvolve no século XIX, tanto com a teoria da hereditariedade dos biólogos raciais, como com a livre interpretação do pensamento de Darwin: a seleção natural, que permite a sobrevivência a quem se adapta ao ambiente, se transforma em sobrevivência da raça favorecida por fatores hereditários. Estas teorias científicas dão origem a práticas que depois serão utilizadas pela política racista: a eugenia (ou higiene racial) que há de servir para combater a degeneração racial e para melhorar a qualidade da raça, para a tornar mais pura. No Racismo, o perigo da mistura das raças torna-se uma obsessão. (BOBBIO, 2016, p1060-1061)

A interpretação biológica das raças tem início no Iluminismo, no século XVIII, com as intenções de se classificarem as raças humanas. Esses estudos eram feitos a partir dos estudos do crânio e da face, dentro das ideias da antropometria. Não havia desvinculação da ideia de raça e de características étnicas ou psicológicas. E com o tempo atribuiu-se os comportamentos humanos aos elementos biológicos.

daí a uma definição da psicologia das várias raças o passo é muito curto, como é fácil também estabelecer uma hierarquia entre elas, colocando a raça branca em primeiro lugar, a negra em último e a amarela no meio. O negro seria preguiçoso, indolente, [...]; por isso é colocado próximo ao reino animal. A raça amarela não teria imaginação, seria materialista, capaz de se realizar apenas no comércio e nos negócios, entregue exclusivamente aos interesses materiais. A raça branca — ou, melhor, ariana — possuiria qualidades de que carecem as outras duas: seria uma raça superior, porque as suas qualidades são superiores à sensualidade dos negros e ao materialismo dos amarelos. À parte estas simplificações psicológicas, este estudo do homem natural tem reflexos no Racismo devido ao estereótipo que formula [...] (BOBBIO, 2016, p. 1060)

A eugenia, com a associação a esses elementos, torna-se uma teoria de segregação e classificação de seres humanos. Nos Estados Unidos da virada do XX, foram promovidos esterilizações em massa para que as pessoas consideradas menos aptas não desenvolvessem linhagem.

"Nos anos 30 a esterilização disparou", lembra Kevles. Os surdos, cegos, epiléticos, "débeis mentais" e até pobres eram esterilizados, já que a pobreza tinha seu próprio diagnóstico médico: o pauperismo. Qualquer pessoa considerada um obstáculo para a sociedade estava em risco. Cerca de 60 a 70 mil indivíduos foram esterilizados nos Estados Unidos. E o mais surpreendente é que, em alguns Estados, como a Virginia, a esterilização continuou até 1979. (LANG-STANTON & JACKSON, 2017)

A eugenia torna-se, assim, o sinônimo de uma teoria racista e discriminatória que era manipulada por grupos sociais que pretendiam exterminar aqueles que, em seus conceitos, seriam inferiores. E com essa abordagem será utilizada pelo nazismo hitlerista, provocando o enclausuramento e morte de judeus, negros, ciganos, homossexuais, doentes mentais e outros. Atualmente, é completamente repudiada pelos Direitos Humanos, já que essas ideias promovem a divisão da espécie humana em raças classificáveis, por consequência ferem os direitos básicos de liberdade e igualdade de qualquer ser humano. A biologia também já não aceita a divisão da espécie humana em raças e a antropologia e psicologia já demonstram que as características humanas de comportamento e cultura derivam de aprendizado e pouquíssimo tem a ver com aspectos puramente genéticos dos indivíduos.

Referências:

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Universidade de Brasília, 2016.

LANG-STANTON, Peter & JACKSON, Steve. Eugenia: como movimento para criar seres humanos 'melhores' nos EUA influenciou Hitler. BBC Brasil. 23 abr 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39625619

SPINELLI, Kelly C. Raças humanas não existem como entidades biológicas, diz geneticista. Jornal UOL, São Paulo, 05/02/2013. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2013/02/05/racas-humanas-nao-existem-como-entidades-biologicas-diz-geneticista.htm

Arquivado em: Ética, Genética, Sociologia
Este artigo foi útil?
Considere fazer uma contribuição: