Resumo: Bagagem

Por Ana Lucia Santana
Categorias: Resumos de Livros
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Adélia Prado imprime um tom espiritual já no agradecimento, inspirado no ‘Cântico das Criaturas’, de São Francisco de Assis. Ela afirma ter se baseado nessa obra para compor seu livro de poemas.  A epígrafe que se segue foi extraída dos Salmos:

“Chorando, chorando, sairão espalhando as sementes.
Cantando, cantando, voltarão trazendo seus feixes.”

Ela divide esta obra em cinco partes: Modo Poético, com 66 poemas; Um Jeito e Amor, com 19 poemas; A Sarça Ardente – I, com 14 poesias; A Sarça Ardente – II, com 13 poesias; e Alfândega, com um poema.

Modo Poético

Com Licença Poética

Neste poema Adélia se inspira claramente no poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade. A poesia dela se inicia assim:

“Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira. “

A de Drummond começa quase da mesma forma:

“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”

Nesta poesia ela faz uma espécie de mea culpa da condição feminina, mas conclui reconhecendo a força do seu gênero. Embora admita que ainda integra uma “espécie envergonhada” que jamais poderia se igualar a um poeta como Manuel Bandeira: “vai carregar bandeira.”

Grande Desejo

Neste poema a autora confessa ser apenas uma mulher comum, não a matrona romana, aqui simbolizada por Cornélia, mãe de Tibério e Caio Graco. Mas ao mesmo tempo ela revela sua duplicidade: mulher do povo, que cuida da casa, é mãe e esposa; e a escritora, intensa e única, a dama que chora e celebra sua criação.

Sensorial

Mais uma vez Adélia contrapõe a mulher comum que usa ‘obturação amarela’ e come pimenta e cravo puros, à fortaleza feminina que adora a Deus e cria provações para o homem com seus ‘seis instrumentos’: os cinco sentidos e a percepção do gênero feminino. Totalmente sensorial, ela busca naturalmente a luz do sol, símbolo da vida, pois depois terá muito tempo para conviver com as sombras, aqui representando a morte.

Orfandade

Neste pequeno poema a autora evoca memórias da infância e pede a Deus a oportunidade de voltar no tempo e ter de novo cinco anos. Ela relembra momentos, imagens, aromas, tudo que traz de volta sua meninice, desde um arbusto, o fedegoso, até uma boneca negrinha chamada Fia. Porém, acima de tudo, ela deseja rever a mãe, resgatá-la da morte e ser para sempre criança ao seu lado.

Resumo

Outro poema dedicado à sua mãe, Leonora, que morreu de câncer. Aqui ela expõe sua perplexidade diante da forma serena e resignada com que sua genitora aceitou sua fugacidade e a chegada da morte. Ela percebe isso até na forma como a matriarca inclina sua cabeça em um retrato.

Círculo

Adélia tece seus poemas em torno de suas lembranças. Aqui ela rememora dias passados em uma pensão. A autora se apega a pequenas coisas para reconstituir momentos de sua vida. E encaixa tudo na roda do tempo, que gira como um círculo, no qual tudo cabe, indo e voltando.

No Meio da Noite

Neste poema se destacam as diferenças entre o ponto de vista feminino e o masculino. A mulher parece mais propensa a filosofar, a ‘ver’ além. Enquanto isso o homem tende a transformar tudo em um ato singelo. O eu poético da autora tenta assumir essa forma mais objetiva de ver o mundo, mas acaba resvalando de novo para o ato contemplativo e subjetivo.

Módulo de Verão

Neste poema a autora evoca a própria criação poética. O canto da cigarra é o canto do poeta, seu processo de criação, a reafirmação da esperança. A metapoesia é um dos temas de Adélia neste livro.

Leitura; Poema Esquisito

Lembranças dos pais da autora. Contraposição entre o que é temporário e o que permanece. Mais uma vez a presença dos sonhos, do desejo de eternizar os que ela ama. As memórias são imateriais; elas seguem Adélia pelos caminhos da vida.

Saudação

Aqui a autora louva o amor materno.

Antes do Nome

Um dos seus poemas mais importantes, ele é o retrato de como Adélia vê e trama a linguagem. Para ela importam não as palavras em si, mas sim a forma como elas se entrelaçam e compõem novos mundos, os quais surgem do caos. Para ela a vida e a morte estão presentes nessa tessitura, assim como todas as questões existenciais. É bela a passagem em que ela define o raro momento em que se consegue capturar uma palavra, o suor e o sonho de todo escritor.

Poema Com Absorvências no Totalmente Perplexas de Guimarães Rosa

A autora faz uma homenagem a Guimarães Rosa através de uma profunda meditação de seu personagem mais famoso, Riobaldo Tatarana. Aqui ele se divide entre o permanecer na dúvida e o partir na certeza de uma verdade. Criatura indomável, de natureza nômade, ele hesita apenas na falta de garantias, mas ao encontrar um único sinal da verdade, Riobaldo assume sua essência única e mergulha nas veredas da vida. Sem dúvida ele é aqui a imagem do eu - poético.

O Dia da Ira

Adélia sente sua pequenez diante da morte, da chegada do dia em que a trombeta soará. Nesse momento só importará o belo, o que permanece puro, a criação.

A Invenção de Um Modo

Neste poema Adélia tenta mostrar que é possível abranger várias alternativas, e não ter que escolher entre elas. Diante de duas opções estéticas, ela abraça ambas. Assim, ela cria um novo Modo Poético. Isso vale também para tudo que já foi escrito. Por que ela teria que optar entre as Sagradas Escrituras e Grande Sertão: Veredas?

Páscoa

Belo poema sobre o processo de envelhecimento. A dor e o prazer de se tornar o outro e o mesmo.

Agora, Ó José

Mais uma alusão de Adélia ao seu padrinho na poesia, Carlos Drummond de Andrade. Dessa vez ela se refere ao poema José:

“E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?”

Eis um trecho de Adélia:

“É teu destino, ó José,
a esta hora da tarde,
se encostar na parede,
as mãos para trás.”

José é o homem comum, com o peso de muitas pedras sobre si, o casamento, as dificuldades do caminho, a conquista do paraíso. Ele também se refere ao marido de Adélia, não por acaso chamado José. Dá para sentir a aflição do homem “encostado na parede, com as mãos para trás”; é a imagem do ser acuado, sem saída, sem maiores perspectivas, mas Adélia aponta um caminho, o da busca espiritual.

Impressionista

É a imagem da alegria da infância, de tempos dourados e despreocupados, e também revela a liberdade de criação do poeta, o qual pode pintar o mundo da cor que desejar.

Um Jeito e Amor

A segunda parte é precedida por uma epígrafe extraída do Cântico dos Cânticos. Enquanto a primeira parte fala principalmente sobre memórias e metapoesia, esta enfoca acima de tudo o amor.

Amor Violeta

Neste breve poema a autora revela como do amor que lhe provoca lesões ela cria o antídoto que irá lhe curar as feridas.

O Sempre Amor

Neste poema Adélia expõe as contradições do amor, como nele se mesclam as polaridades, de que forma ele se revela alegre e ao mesmo tempo triste, gentil e traiçoeiro.

Canção de Joana D’Arc

Adélia compõe o amor com uma força tal que ele ganha o poder de convencer os pais e até mesmo de persuadir o rei a mudar as leis.

A Meio Pau

A autora se vale de imagens prosaicas, como a folhagem de uma árvore, um pardal comendo mamão no pé, para declarar seu amor. E com a poesia mais singela revela a reação de seu coração ao desprezo alheio.

Psicórdica

Um convite ao ser amado composto de expressões ao mesmo tempo triviais e poéticas.

Enredo Para um Tema

Aqui o amor se reveste dos ecos de outras épocas, quando a mulher não tinha o poder de escolher seu amor. Mergulhada em uma sociedade patriarcal, ela era obrigada a silenciar na hora de escolher seu pretendente. Neste poema o príncipe encantado não tinha dote. Ele parte para conquistar riqueza, mas o pai da sua amada não hesita em casar a filha com D. Cristóvão, alguém que tem um nome e fortuna diante da sociedade.

Medievo

Outro poema que evoca amores proibidos em uma era medieval. A donzela espera por seu amado e ele deve cuidar para não despertar nem os criados nem os cães. Destaca-se a linguagem arcaica de que a autora se vale para evocar este período histórico.

Um Jeito

Aqui estão presentes as sensações do amor, a urgência, a paixão, a fome e a sede do outro, o amor despudorado.

Confeito

Neste poema também sobressai o amor carnal, sob a forma de metáforas doces e inocentes, claramente “disfarçado de coração e sininhos.”

A Sarça Ardente – I

A epígrafe que antecede esta parte foi retirada do Êxodo. Nela se destacam as memórias da autora.

Janela

Pela janela do tempo a autora vê os tempos que passaram e as imagens que se gravaram em sua mente. Flashes de momentos preciosos, como “o bater das asas da borboleta amarela.” Pelo olhar do coração ela revê as passagens afetivas que marcaram sua vida.

Epifania

Neste poema também se destacam lembranças, desta vez de um diálogo com uma tia, de sons ou frases que pontuam doces momentos do passado.

Chorinho Doce

A autora fala aqui sobre o que passou e não volta mais, o que ela teve e já perdeu. E da tristeza que atinge sua alma quando não consegue mais resgatar esse tempo de outrora.

A Cantiga

É numa canção que Adélia encontra objetos, pessoas e sabores que ela deseja rever e reviver.

A Menina do Olfato Delicado

Poema divertido e melancólico. A autora evoca o passado através do olfato, dos aromas, dos perfumes que trazem de volta momentos da meninice, as birras, as zangas maternas.

A Sarça Ardente – II

Mais uma passagem do Êxodo precede esta parte do livro.

Aqui as lembranças do passado se mesclam à temática da morte. Um homem em seus gestos corriqueiros nem suspeita que a morte se aproxima.

O Retrato

Neste poema a autora não pretende resgatar apenas imagens, memórias visuais. Ela quer recuperar sentimentos, emoções, sensações ligadas às lembranças do passado.

A Poesia

Aqui a memória do pai vem ligada ao fazer poético e a reflexões sobre vida e morte. Versos singelos como “Eu tive um cão” e “Morrer Dormir” ocultam profundas meditações filosóficas.

O Sonho

Aqui Adélia continua a lembrar dos momentos finais de seu pai, da agonia da perda, a partir da imagem de um sonho.

Essa segunda parte discorre sem cessar sobre as mortes, as partidas, as perdas, as dores, os sofrimentos diante das rupturas e separações.

Alfândega

Com sua bagagem exposta ao leitor, agora resta ao eu - poético atravessar a alfândega. Ele não sairá ileso dessa passagem, pois aí deixará algo que nele está enraizado, aqui simbolizado pelo dente.

Sobre a Autora

Adélia Luzia Prado Freitas, mais conhecida como Adélia Prado, nasceu na cidade de Divinópolis, Minas Gerais, em 13 de dezembro de 1935. A autora iniciou a composição de seus poemas logo após a morte da mãe dela, no ano de 1950. Depois de acabar o ginasial, ela ingressou no Magistério e realizou sua formatura em 1953.

Depois Adélia passou a dar aulas no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho. No ano de 1958 ela contraiu matrimônio com José Assunção de Freitas, e dessa união nasceram cinco crianças. Pouco antes do nascimento da filha caçula, em 1966, os dois começaram a cursar Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis, e aí se graduaram em 1973. Nesta ocasião Adélia mandou várias mensagens com poesias de sua autoria para o crítico de literatura Affonso de Sant’Anna. Esse estudioso os expôs ao poeta Carlos Drummond de Andrade.

Persuadido das virtudes dessa poesia, o poeta mineiro indicou o nome da escritora para a Editora Imago. Foi assim que a obra Bagagem foi publicada, em 1975, estreia literária de Adélia. Entre seus livros estão, além desse, "O coração disparado", de 1978, "Soltem os cachorros", de 1979, "A faca no peito", de 1988, e "O homem da mão seca", de 1994.

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