Comício da Central do Brasil

Por Camila Caldas Petroni

Mestre em História (PUC-SP, 2016)
Graduada em História (PUC-SP, 2010)

Categorias: Brasil Republicano
Ouça este artigo:
Este artigo foi útil? Considere fazer uma contribuição!

Reuniões públicas fazem parte do cotidiano das pessoas desde, ao menos, a Antiguidade, e, como toda produção humana, apresentam as especificidades dos locais e tempos em que ocorrem.

Focando em uma história mais recente e mais próxima de nós, especificamente o Brasil do século XX, algumas dessas reuniões públicas, os comícios, exerceram um papel especialmente marcante e determinante para a trajetória do país.

Como exemplo, podemos mencionar os comícios ligados à greve geral de 1917, em São Paulo (SP), que resultou na conquista de alguns benefícios aos trabalhadores; e, em outro contexto, mas de igual importância para a história brasileira, o Comício da Central do Brasil, de 1964, sobre o qual trataremos aqui.

Para analisar o evento e sua relevância, voltemos a 1961, ano em que Jânio Quadros renunciou à presidência em um cenário político altamente conturbado. O acontecimento agravou ainda mais o quadro, de incertezas, e gerou uma crise na qual João Goulart (Partido Trabalhista Brasileiro – PTB), vice-presidente à época, esteve envolvido como figura central.

De acordo com a Constituição, Goulart – o Jango – assumiria a presidência assim que voltasse da China, onde estava em visita oficial, mas alguns grupos da sociedade brasileira, como o empresariado e setores militares, eram contrários à sua posse.

Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, liderou a Campanha da Legalidade em defesa da posse de Jango. A solução encontrada pelo Congresso para a crise política instalada no Brasil foi a implementação do parlamentarismo, e Jango assumiu. No entanto, de acordo com o sistema adotado, teve seus poderes reduzidos.

Após dois anos de parlamentarismo, em janeiro de 1963 ocorreu um plebiscito que resultou na volta do presidencialismo, com Goulart à frente. Com plenos poderes a partir desse momento, Jango passou a defender e promover medidas vistas como conservadoras demais por grupos da esquerda e excessivamente reformistas por grupos da direita. Assim, vários setores mostravam-se descontentes com seu governo, cujo principal foco era a defesa das reformas de base.

Embora propusessem medidas como o direito de voto a analfabetos, a nacionalização de diversos setores industriais, a limitação das remessas de lucros para o exterior e a reforma agrária, as reformas de base não atendiam aos reais interesses populares. Além disso, mantinham os grupos conservadores insatisfeitos, embora não apresentassem caráter revolucionário, ou seja, não ameaçavam, de fato, a estrutura estabelecida.

Conforme o Congresso não aprovasse as medidas, Jango, como estratégia, buscava se aproximar dos setores populares e da esquerda, liderando comícios para aumentar o apoio às reformas. O principal desses atos ficou conhecido como comício da Central do Brasil.

Comício da Central do Brasil, Rio de Janeiro. Foto: Arquivo Nacional. Fonte: Wikimedia Commons

Promovido em frente à estação ferroviária Central do Brasil (e por isso é chamado desta forma), no Rio de Janeiro (RJ), em 13 de março de 1964, o ato reuniu, aproximadamente, 300 mil pessoas, incluindo trabalhadores do campo e da cidade, membro de sindicatos, partidos políticos e delegações de mulheres, servidores públicos, militares e estudantes.

No palanque, em seu discurso com duração de mais de uma hora, Jango anunciou que as reformas seriam feitas. No mesmo dia, inclusive, Goulart assinou um decreto para nacionalizar as refinarias particulares de petróleo, e outro para desapropriar terras com mais de 100 hectares próximas a rodovias e ferrovias federais.

A reação da oposição, já intensamente descontente, foi rápida. No dia 19 do mesmo mês, setores conservadores se uniram em centenas de milhares de pessoas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo (SP) e outras cidades, como Belo Horizonte (MG), defendendo a deposição do presidente e anunciando o que estava por vir: o golpe civil-militar de 31 de março e 1º de abril de 1964, que deu início aos mais de vinte anos de ditadura no Brasil.

Referências:

ABREU, Alzira Alves de (coord.). Dicionário histórico-biográfico da Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.

COSTA, Cleber. CARVALHO, Lisiane. SOUZA, André de. As reformas de base e o golpe de 64. Em debate: Revista digital, n. 3, p. 1-9, 2007. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/emdebate/article/view/21323/19507. Acesso em: 09 mar. 2019.

DIAMICO, Manuela de Souza. Reformas de base: Goulart e a estrutura agrária. Em debate: Revista digital, n. 3, p. 69-86, 2007. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/emdebate/article/view/21326/19510. Acesso em: 09 mar. 2019.

GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais - A construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

LAMARÃO, Sérgio. Comício das Reformas. FGV CPDOC. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRadicalizacao/Comicio_das_reformas. Acesso em: 09 mar. 2019.

Este artigo foi útil? Considere fazer uma contribuição!