Canibalismo

Mestre em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCAR, 2019)
Bacharel em Ciências Biológicas (UNIFESP, 2015)

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O canibalismo é uma interação ecológica que ocorre entre organismos que pertencem a uma mesma espécie (predação intraespecífica). Embora imagine-se que tal comportamento seja uma exceção e que ocorra isoladamente, o canibalismo é considerado comum e bem disseminado em todos os grupos animais, sendo registrado em mais de 1300 espécies.

Este comportamento pode ser exibido em variadas circunstâncias ambientais, podendo atuar como uma pressão de seleção sobre uma determinada população. As ocorrências mais conhecidas de canibalismo estão atreladas ao sexo. Nestes casos, quase sempre a fêmea consome o próprio parceiro sexual durante ou depois da copulação. A famosa viúva negra foi nomeada devido ao seu hábito de predar o macho após a fecundação. Outros exemplos de canibalismo sexual incluem várias espécies de aranhas e escorpiões e o louva-a-deus.

Outra forma de canibalismo observada na natureza está atrelada ao tamanho ou maturidade de crescimento. Observa-se que indivíduos adultos ou maiores consomem organismos da mesma espécie que sejam mais jovens ou menores. Nas populações em que ocorre sobreposição de gerações o canibalismo é um importante fator para a manutenção da dinâmica populacional, representando uma parcela considerável da taxa de mortalidade. Observa-se este comportamento em espécies de invertebrados, como em libélulas e lagostas, e também em vertebrados, como sapos e peixes.

Um caso muito específico de canibalismo é o filial, em que os progenitores consomem seus próprios descendentes. Este hábito de consumir a prole pode ocorrer com os filhotes já nascidos, com fetos em formação e com ovos inférteis ou ainda sendo incubados. Gatos, porcos, coelhos e hamsters, por exemplo, consomem seus filhotes por variados motivos: carência nutricional (falta de proteínas na dieta, por exemplo), abortos ou fetos que apresentem dificuldades no nascimento, stress térmico e hídrico, presença de muitos predadores ou superlotação do ambiente de vida. Em algumas espécies de peixe, estudos apontam que os machos podem consumir parte da prole caso ocorra inseminação dos ovos com o material genético de mais de um doador masculino. Em se tratando dos leões, pode ou não ocorrer o canibalismo dos filhotes. Quando os machos adultos disputam território e o domínio sobre um harém, é comum o vencedor matar e, algumas vezes, comer os filhotes do perdedor. Isso faz com que as fêmeas entrem em seu período fértil mais rapidamente.

Em algumas espécies, o canibalismo acontece entre indivíduos de uma mesma geração que estão disputando recursos. Algumas larvas de mariposa que nascem primeiro predam ovos ou outras larvas da mesma espécie a fim de obter nutrientes e reduzir a competição. Este canibalismo entre irmãos pode ocorrer ainda na fase de desenvolvimento, sendo chamado de embriofagia (quando um feto mais desenvolvido consome os demais embriões). Muitos grupos animais apresentam este comportamento, tais como: alguns anelídeos, gastrópodes marinhos, salamandras, peixes e tubarões.

Embora existam exemplos de canibalismo que ocorrem comumente em determinadas populações, é importante ressaltar que algumas espécies somente recorrem a este comportamento em resposta a algum tipo de stress, seja ele relacionado a condições ambientais ou à disponibilidade de alimento. Ursos polares e polvos são exemplos de espécies em que o hábito canibalista parece estar associado a alterações no meio ambiente, principalmente relacionadas ao stress térmico causado pelo aquecimento global. Em relação a recursos alimentares, observa-se em galinhas que uma dieta deficitária em cálcio resulta no canibalismo de seus próprios ovos.

Referencias:

Buskirk, R.E., Frohlich, C. and Ross, K.G., 1984. The natural selection of sexual cannibalism. The American Naturalist, 123(5), pp.612-625.

FitzGerald, G.J., 1992. Filial cannibalism in fishes: why do parents eat their offspring?. Trends in ecology & evolution, 7(1), pp.7-10.

Fox, L.R., 1975. Cannibalism in natural populations. Annual review of ecology and systematics, 6(1), pp.87-106.

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