Violações aos Direitos Humanos na Ditadura Militar

Mestre em História (UERJ, 2016)
Graduada em História (UERJ, 2014)

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Este artigo aborda as violações aos direitos humanos durante a Ditadura Militar (1964-1985) em três tópicos: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH); Tortura e Censura na Ditadura Militar; e Comissão Nacional da Verdade.

A compreensão de que os agentes do Estado brasileiro cometeram crimes contra os direitos humanos fundamenta-se na Declaração Universal desses direitos chancelada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no pós-Segunda Guerra Mundial.

Entre os principais atos arbitrários cometidos durante o Regime Militar brasileiro condenados na carta das Nações Unidas estão a censura aos meios de comunicação, as prisões arbitrárias, as torturas, os assassinatos e os desaparecimentos de corpos dos opositores do Regime.

Com o fito de reparar as mazelas ocorridas durante esse Regime, constituiu-se a Comissão Nacional da Verdade (CNV) em busca da memória das vítimas e das famílias e de compensá-las materialmente e moralmente.

Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)

Para compreender como ocorreram e do que se trataram as violações aos diretos humanos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), é necessário saber a origem na história recente da noção de direitos humanos. A elaboração de uma carta listando os direitos humanos está relacionada ao resgate da concepção iluminista de direito natural. Grosso modo, de acordo com o pensamento iluminista, podem-se levar em conta alguns princípios como evidentemente bons em si mesmos e, por isso, deveriam ser considerados direitos naturais da humanidade. A concepção da existência de direitos naturais do homem pode ser encontrada até mesmo em pensadores anteriores ao jusnaturalismo e até os dias atuais é pensada no campo do direito universal.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os relatos sobre o processo de desumanização nos campos de concentração nazistas impressionaram a comunidade internacional. Para consolidar a atuação do Estado de Direito e supostamente coibir ações arbitrárias e desumanas executadas por agentes dos Estados, a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) deteve-se sobre a elaboração de uma Carta de direitos com garantias fundamentais para a dignidade humana. Em 10 de dezembro de 1948, reuniu-se a Assembleia Geral das Nações Unidas para construir essa Carta de direitos idealizada pelo canadense John Perters Humphrey. Entre os cinquenta e seis países-membros da ONU, quarenta e oito votaram a favor da Declaração e oito abstiveram-se do voto.

Os temas dos trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos podem ser divididos em quatro tipos de liberdades: liberdade da palavra e da livre expressão, liberdade de religião, liberdade por necessidades e liberdade de viver livre do medo. Essas liberdades fundamentais propostas na Declaração estão circunscrita ao escopo do liberalismo clássico. No entanto, há um descompasso entre o que politicamente é proposto pelo liberalismo e as práticas socioeconômicas liberais. Desse modo, estão na Carta dos direitos humanos, por exemplo, o direito à vida, à habitação, ao trabalho, contudo, tais direitos não são assegurados na grande maioria dos países que adotam a política econômica liberal.

Apesar dessa dissonância entre a letra da lei dos direitos universais e as práticas adotadas correntemente e também da limitação do marco liberal dessa carta, há por parte de movimentos sociais a reivindicação do cumprimento dos direitos estabelecidos na Declaração e em outros tratados internacionais referentes aos direitos humanos. Assim, ocorreu durante o Regime Militar, em que os prisioneiros escreveram um documento denunciando as torturas e mortes ocorridas no cárcere. Essa denúncia persistiu em outros documentos e, em 2013, a Comissão Nacional da Verdade continuou a requisição de reparação dos danos provocados por agentes do Estado aos opositores do Regime.

Tortura e Censura na Ditadura Militar (1964-1985)

O primeiro documento a denunciar os tratamentos desumanos nos cárceres do Regime Militar partiu dos próprios prisioneiros. Em 1970, os presos políticos enviaram uma carta denunciando as torturas ocorridas nas prisões ao congresso de jornalistas realizado na cidade de Salvador (BA). Malgrado soubessem que a denúncia não seria difundida no Brasil por conta da censura que sofriam as mídias, os presos políticos acreditavam que ela chegaria aos países estrangeiros.

O historiador Jacob Gorender, que à época era prisioneiro político, relatou como essa carta foi redigida e as cópias entregues à direção do presídio, ao Sindicato Profissional dos Jornalistas de São Paulo, à Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais, ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e às autoridades militares da segunda região. Essas cópias não chegaram para as entidades às quais se destinaram, foram encaminhadas ao Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS). No entanto, uma das cópias foi encaminhada secretamente ao exterior e foi divulgada em jornais de países da Europa e da América Latina. Em 1972, longo trecho da carta constou no Relatório da Anistia Internacional. (Cf. GORENDER, 2014:252-253)

Em 1971, foi publicado na França o livro Pau de Arara: a violência militar no Brasil por iniciativa do jornalista e militante político brasileiro Luiz Eduardo Merlino. O idealizador do livro Pau de Arara havia militado em duas organizações clandestinas no Brasil — a Política Operária (POLOP) e o Partido Operário Comunista (POC) — e quando pensou no projeto do livro estava exilado na França. O livro Pau de Arara foi uma das primeiras iniciativas de denúncia às torturas cometidas por militares nos cárceres da ditadura e divulgou o manifesto dos presos políticos de 1970. Ao retornar ao Brasil, em julho de 1971, em pleno ápice da ditadura militar, Merlino foi preso e sofreu horas de tortura que o levaram à morte no cárcere do Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna).

O livro Pau de Arara foi escrito pelos jornalistas Bernardo Kucinski e Ítalo Tronca. O livro trata de como a violência militar se desenvolveu desde a década de 1930 até o período do Regime Militar (1964-1985). A própria escolha do nome do livro se deu por ser um método de tortura criado no Brasil. O pau de arara é um instrumento de sevícias em que o preso fica suspenso em uma barra de madeira ou de ferro entre os joelhos e os antebraços do torturado.

Segundo relatou Kucinski, o tema central do livro concentrou-se nos métodos de interrogatório e tortura nos cárceres, realizados por militares, no entanto, havia casos muito mais graves que ocorreram posteriormente e que não eram conhecidos pelos autores devido à censura. Esses casos eram, de acordo com Kucinski: “a Casa da Morte, os desaparecimentos, a entrada dos criminosos na repressão, a repressão no Araguaia...” e asseverava: [...] Eu sempre penso nisso, de como as coisas se tornaram tão piores.” (KUCISKI, 2013)

O livro Pau de Arara somente foi publicado no Brasil em 2013. O livro foi publicado na época em que a Comissão Nacional da Verdade estava em vigência, denunciando as graves violações aos direitos humanos durante o Regime Militar.

Comissão Nacional da Verdade (CNV)

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada no Brasil, seguindo o modelo de outras comissões que denunciaram graves violações aos direitos humanos cometidos por regimes autoritários pelo mundo. Entre os anos de 2011 e 2014, a CNV realizou as pesquisas e audiências de vítimas e algozes do Regime Militar a fim de investigar os casos de torturas e de mortes cometidas pelos agentes do Estado.

Devido aos empenhos da CNV, o Estado brasileiro foi responsabilizado pelo desaparecimento dos corpos dos guerrilheiros do Araguaia, bem como por outros casos de torturas, desaparecimentos de corpos, prisões ilegais, perseguições políticas e aposentadorias compulsórias ocorridos durante o Regime Militar. As vítimas e familiares das vítimas receberam indenizações do Estado e, em muitos casos, tiveram o acesso aos restos mortais de desaparecidos e o parecer desvendando como ocorreram as torturas e as mortes.

Referências:

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/ Acessado em 19 de abril de 2020 às 10h e 16m.

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório/ Comissão Nacional da Verdade. Vol. 1. Brasília: CNV, 2014. Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_digital.pdf. Acessado em 08 de fevereiro de 2020 às 9h e 53m.

_______. Direitos Humanos: Atos Internacionais e Normas Correlatas. 4ª Edição. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2013.

GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo: Fundação Perseu Abramo/Expressão Popular, 2014.

KUCINSKI, Bernardo & TRONCA, Ítalo. Pau de Arara: a violência militar no Brasil. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2013.

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