Revolução Cubana

Graduada em História (USP, 2011)

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Cuba é uma pequena ilha localizada na região da América Central, próxima ao mar do Caribe e ao golfo do México, há um pouco mais de 100 km da costa sul dos Estados Unidos. E esta ilha foi o palco de uma das grandes revoluções do século XX, a chamada Revolução Cubana.

Após ao término da Segunda Guerra Mundial, o cenário geopolítico mudou drasticamente. Estabeleceu-se uma bipolarização mundial entre um mundo capitalista, encabeçado pelos Estados Unidos e seus aliados, essencialmente ocidentais e do outro lado um mundo socialista, liderado pela União soviética e seus aliados, basicamente ao leste. Há inclusive uma famosa frase atribuída ao Primeiro-Ministro inglês Winston Churchill, por volta de 1947, que simbolizaria essa divisão, ele teria dita que uma cortina de ferro havia descido sobre a Europa, separando-a entre os dois blocos. Esse era o novo mundo da Guerra Fria.

É nesse contexto em que ascenderá, em 1959, a Revolução Cubana. Um movimento de influência marxista e que logo tomará um rumo socialista e que aconteceu ao lado da maior potência capitalista da época, mas como isso ocorreu?

Um dos fatores a ser considerado é a independência tardia de Cuba, esta foi a última colônia latino-americana a conquistar a sua independência, apenas no de 1898 e com o apoio dos Estados Unidos. Tal apoio, no entanto, não saiu gratuito ao povo cubano, que ficou sob intervenção estadunidense até 1902. E mesmo após a sua saída da ilha os Estados Unidos continuavam a marcar presença na região graças a Emenda Platt, uma emenda à Constituição de Cuba. Que entre outras questões permitia a intervenção dos Estados Unidos na ilha, sob a justificativa de manter a paz, as liberdades individuais e a propriedade privada.

Por anos o governo cubano manteve essa proximidade, em nível de submissão, com os Estados Unidos, especialmente quanto às relações econômicas. Eis um tradicional exemplo de independência política da ex-metrópole e dependência econômica a outra potência, tal como ocorreu em outros Estados latinos após a sua independência também.

Em 1952, um golpe militar sacode a política cubana. Liderado por Fulgêncio Batista, que fora presidente anteriormente da ilha entre 1925 e 1933, estabelece-se um regime exceção. Ao mesmo tempo desponta na política aquele que será um dos principais protagonistas da Revolução Cubana: Fidel Castro.

Fidel graduou-se em direito e em 1952 fazia parte do Partido Ortodoxo (ou Partido do Povo Cubano), neste ano era candidato a deputado e tecia duras críticas ao golpe. Com o cancelamento das eleições por Batista, estas foram as palavras de Fidel Castro: “Era uma vez uma República. Tinha uma Constituição, suas leis, suas liberdades; possuía um presidente, congresso, tribunais [...] O governo não satisfazia o povo, mas o povo podia substituí-lo e só faltava alguns dias para fazê-lo [...] Pobre povo! Certa manhã, a população despertou estarrecida... Não. Não era um pesadelo. Tratava-se da triste e terrível realidade: um homem chamado Fulgêncio Batista acabava de cometer o terrível crime que ninguém esperava.” (Fidel Castro, Apud: Ayerbe, 2004).

Caricatura do artista Fernandez, publicada no jornal El País, em 21 mar. 1958, sob o título de “De bola a bola. Ahora le toca al ‘Batista’”, nela observa-se a figura de Fulgêncio Batista sobre uma pequena porção de terra no mar, prestes a rebater uma bola que traz grafada a palavra democracia.

A frustração se setores oposicionistas de diversos espectros políticos com a ausência das eleições, levou a organização de movimentos contrários ao governo ditatorial, inclusive com a formação de grupos que optaram pela luta armada.

Fidel e seu irmão Raul Castro, Abel Santamaría, Aydée Santamaria, assim como outros tantos que ficaram sem nome para a História, participaram de um movimento que tentou tomar dois quartéis e, posteriormente dar início a uma greve geral, de modo a insuflar mais populares contra o governo. O movimento fracassou, várias vidas foram ceifadas e os irmão Castro terminaram presos.

Em um texto-manifesto conhecido como “A história me absolverá”, Fidel explica que o objetivo não era atingir os soldados, estes eram apenas peças no tabuleiro do poder, eles faziam parte dos oprimidos pelo governo. Seu real objetivo era derrubar esse governo que oprimia a todo o povo cubano.

De acordo com o sociólogo Florestan Fernandes, “o ataque ao quartel Moncada, em 1953, constituiu o marco do novo tipo de insurgência, que irá combinar a ação política rebelde à ação militar organizada.” (Fernandes, Apud: Santos, 2019).

Posteriormente aquele primeiro texto-manifesto iria se tornar o chamado “Programa de Moncada”, base do M-26-7 (o nome do movimento é uma referência a data da tentativa de tomada do quartel de Moncada em 26 de julho de 1953). Este documento estabelecia as cinco leis revolucionárias: Reconhecer a Constituição de 1940, concessão de pequenas propriedades de terra aos camponeses (até 13.430 m²), 30% dos lucros das empresas para os trabalhadores, 55% dos lucros da cana-de-açúcar para os campesinos e confisco dos bens obtidos de forma ilícita pelo governo antidemocrático.

O objetivo do programa era trazer soluções para os problemas sociais, de (ausência de) liberdade e reestabelecer a democracia na ilha. É notável, neste documento, uma aparente influência do manifesto de Lênin, às vésperas da Revolução Russa, conhecido como “Teses de Abril” (1917). Mas também é notório que o programa não apresenta uma postura anticapitalista.

Mesmo sem um sucesso efetivo, a prisão dos rebeldes de Moncada mobilizou diversas manifestações pela soltura, daqueles que eram considerados presos políticos. A anistia veio apenas em 1955, após deixar a prisão Fidel Castro parte para o México de onde articula uma nova tentativa de insurreição, articulando-se sempre com oposicionistas que permaneceram na Ilha. Quando volta de lá, traz consigo um novo aliado o médico argentino Ernesto “Che” Guevara. A partir de 1957 a formação de um movimento de guerrilha na ilha.

O governo de Batista, apresentava alguns avanços no que se pode chamar de uma modernização capitalista, mas em contraponto, esta não era para todos, uma vez que a pobreza nas cidades e a precariedade no campo permaneciam. O que ocorreu, na verdade, foi um crescimento do abismo social em Cuba.

Finalmente na madrugada de 1º de janeiro de 1959, em meio às festividades em comemoração ao novo ano, o movimento revolucionário tem sucesso e consegue derrubar o governo do ditador Fulgêncio Batista e assume o poder. Relatos da época mencionam que, algumas pessoas chegaram a confundir as rajadas de fuzil com o som dos fogos de artifício. A título de curiosidade: esse episódio histórico foi o pano de fundo do início do segundo filme da trilogia “O poderoso Chefão”, de 1974, dirigido por Francis Ford Coppola.

Faz-se necessário contextualizar a Revolução Cubana com o cenário geopolítico mundial, mencionado anteriormente. Em 1959, o mundo estava em meio à Guerra Fria e um movimento de caráter marxista em uma ilha tão próxima da grande signatária do capitalismo, demonstrava um claro fracasso da Doutrina Truman em prática pelos Estados Unidos, que visava manter o socialismo afastado.

Em um primeiro momento, não havia nenhum estremecimento oficial entre o governo dos Estados Unidos e novo governo cubano, todavia o temor estadunidense, em meio à Guerra Fria, de perder um território tão próximo para o inimigo, levou o presidente Kennedy a propor a “Aliança para o Progresso” (Alpro), em março de 1961. O novo programa estadunidense objetivava promover o desenvolvimento dos países latino-americanos. De acordo com Che Guevara, na época ministro do governo cubano, a proposta da Aliança para o Progresso só nasceu por causa de Cuba, sem o temor do avanço de um governo socialista na região, a América Latina não era uma prioridade inicial para os Estados Unidos.

Diante da frustrada aproximação com o governo cubano, um mês depois a postura dos Estados Unidos em relação à ilha muda radicalmente, dada a tentativa de uma intervenção militar na região, episódio que ficou conhecido como “Invasão à baia dos porcos”. A ação dos Estados Unidos não teve êxito e abalou definitivamente qualquer laço que pudesse existir entre os dois países.

Agora o então líder cubano, Fidel Castro, assume publicamente o caráter socialista da revolução, levando a uma maior aproximação com a União Soviética (URSS). A resposta estadunidense não tardou em janeiro de 1962 Cuba é expulsa da OEA (Organização dos Estados Americanos) e em fevereiro é alvo de um bloqueio econômico por parte dos Estados Unidos e seus aliados do bloco capitalista, fica proibida a compra e ou venda de produto da ilha. Ainda neste ano, o mundo vivenciou um dos episódios mais tesos da Guerra Fria, “A crise dos misseis”, quando a URSS construiu uma base de lançamento na ilha.

Em 1965, Che Guevara dá a sua missão como cumprida e parte da ilha, em sua carta de despedida escreve: “Sinto que cumpri parte do meu dever que me atava à Revolução Cubana em seu território e me despeço de ti, dos companheiros, do teu povo, que já é meu [....] Outras terras do mundo reclamam meus modestos esforços... Até a vitória, sempre. Pátria ou morte!” (Guevara, Apud: Ayerbe, 2004).

O governo revolucionário segue no poder, com forte apoio econômico da URSS. Houve um grande investimento em educação e pesquisa, promovendo um significativo crescimento tecnológico, especialmente na área médica. Quanto ao desenvolvimento econômico a indústria açucareira atingiu altos índices.

Dez anos após a partida de Che, observa-se uma maior concentração dos poderes nas mãos do Poder Executivo e embora Fidel ocupasse orginalmente o cargo de primeiro-ministro, sempre houve uma inversão de poderes, de modo que ele era o homem forte no poder. No final de 1976, Fidel assume o posto de presidente e uma nova Constituição é estabelecida.

Por volta do final da década de 1980, a ajuda soviética à ilha declinou significativamente, em função da própria crise interna que a URSS enfrentava. E os indicadores sociais e econômicos na ilha começaram a se deteriorar. Com o final da Guerra Fria e da União Soviética, em 1991, a situação da ilha tendeu a pior, especialmente porque os Estados Unidos intensificaram o embargo econômico à ilha.

O governo da ilha permaneceu nas mãos de Fidel até pouco tempo antes de sua morte, em 2016. Mas a família Castro continuava no poder uma vez que seu sucessor foi seu irmão, Raul. Este deixou o governo em 2018 e 2021, anunciou aposentadoria definitiva do poder, abandonando o seu posto no Partido Comunista.

Bibliografia:

AYERBE, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo: Editora Unesp, 2004.

BOLAÑOS, Andrés Felipe González, “La Revolución Cubana a través de la caricatura política en los periódicos El País y El Tiempo de Colombia 1958-1959”. Periódico História Caribe, vol. XIII, nº 32, 2018, p. 171-205. Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/hisca/v13n32/0122-8803-hisca-13-32-00171.pdf, acesso em 01 jan. 2022.

SANTOS, Judite. 26 de Julho: Dia da Rebeldia Nacional Cubana. Disponível em: https://mst.org.br/2019/07/26/26-de-julho-dia-da-rebeldia-nacional-cubana/, 01 jan. 2022.

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